Em decisão paradigmática, um juiz da 2ª Vara de Família e Sucessões da Comarca de Novo Hamburgo, atendeu ao pedido de um homem e duas mulheres, para reconhecer a união estável mantida pelos três. O "trisal" – como é popularmente conhecido este arranjo poliamoroso – buscou a Justiça do Rio Grande do Sul após ter sido descoberta a primeira gravidez de uma das mulheres. Conforme noticiado, na decisão, o magistrado mencionou a "serenidade" e o "entusiasmo" com que o trio se referia à gestação. Como consequência, a criança teve, na certidão de nascimento, os três registrados como seus pais.

Destaca-se a decisão do juiz por destoar da jurisprudência que se mantinha até então. Isto porque, em 2018, o CNJ havia proibido aos Cartórios de Pessoas Naturais e Registro Civil que reconhecessem a união estável dos chamados trisais. Mesmo assim, o Judiciário continuou recebendo demandas como essa.

O principal obstáculo jurídico para os trisais é o fato de que a Constituição Federal e o STF só concedem o reconhecimento de entidade familiar aos casais formados por apenas duas pessoas. É o que relata a Presidente da Associação de Direito de Família e das Sucessões (ADFAS), Regina Beatriz Tavares, que, inclusive, se opõe ao reconhecimento legal dessas configurações familiares. Ela ainda argumenta que, hoje, o modelo "trisal" é inviável jurídica e economicamente, pois dificultaria significativamente a divisão de patrimônio e a exigência de pensão alimentícia da forma como são previstos legalmente.

Por outro lado, o advogado do trisal e a renomada notária Priscila Agapito, integrante do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDF) e pós-graduada na disciplina, conforme relatam em entrevista concedida ao Estadão[1] e republicada pela ARPEN/SP, entendem que, apesar da atual dificuldade em reformar a legislação a fim de reconhecer legalmente os arranjos poliamorosos, inibi-los representa um conflito direto com os princípios constitucionais da liberdade, da pluralidade das formas de família e da não hierarquização entre elas. Fato é que, conforme Priscila destacou, essas famílias continuarão a existir, amparadas pelo ordenamento jurídico ou não.

A decisão do juiz da Comarca de Novo Hamburgo pode ser a primeira de muitas que darão reconhecimento a relacionamentos poliamorosos. Reproduz-se o seguinte trecho da decisão, divulgado pela imprensa: “O que se reconhece aqui é uma única união amorosa entre três pessoas: um homem e duas mulheres, revestida de publicidade, continuidade, afetividade e com o objetivo de constituir uma família e de se buscar a felicidade”.[2]

Enquanto mais trisais procuram o Judiciário, resta-nos aguardar a fim de observar os rumos da discussão; que, até agora, esbarra em temas muito delicados e de ordem constitucional.

O feito noticiado está em segredo de justiça.[3]


[1] AMARAL, Eduardo. Como um trisal teve a união estável reconhecida na Justiça e registrou filho com 2 mães e 1 pai. Estadão, São Paulo, 29 de nov. de 2023. Disponível em: <https://www.estadao.com.br/brasil/como-um-trisal-teve-a-uniao-estavel-reconhecida-na-justica-e-registrou-um-filho-com-2-maes-e-1-pai/>. Acesso em: 01 de dez. de 2023.

[2] JUSTIÇA reconhece união estável de trisal no RS e filho terá direito a registro multiparental. G1 RS, 01 de set. de 2023. Disponível em: <https://g1.globo.com/rs/rio-grande-do-sul/noticia/2023/09/01/justica-reconhece-uniao-estavel-de-trisal-no-rs-e-filho-tera-direito-a-registro-multiparental.ghtml>. Acesso em: 04 de dez. de 2023.

[3] FERNANDES, Vander. Justiça gaúcha reconhece união poliafetiva entre um homem e duas mulheres (trisal). Jusbrasil, nov. de 2023. Disponível em: <https://www.jusbrasil.com.br/noticias/justica-gaucha-reconhece-uniao-poliafetiva-entre-um-homem-e-duas-mulheres-trisal/2029188194>. Acesso em: 04 de dez. de 2023.

Por Rafael Lima de Andrade