Em recente decisão proferida no âmbito do Recurso Especial nº 1861107/RS, a Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reafirmou a proteção jurídica do bem de família, declarando a impenhorabilidade de imóvel herdado em sede de execução fiscal. Tal julgamento reforça aspectos fundamentais acerca da proteção patrimonial conferida pela Lei nº 8.009/1980 (legislação que dispõe sobre a impenhorabilidade do bem de família), especialmente quando confrontada com o interesse arrecadatório do Estado.

A controvérsia do caso teve origem quando, diante da insuficiência de bens da empresa executada por crédito tributário referente ao ICMS, o processo foi redirecionado contra os sócios, incluindo um falecido, cujo único bem imóvel foi transmitido aos seus herdeiros. O imóvel em questão, utilizado como residência por um dos herdeiros, foi objeto de penhora pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, determinando o fracionamento do bem para constrição das frações pertencentes aos herdeiros não residentes, mas preservando a parte daquele que utilizava o imóvel como moradia.

O STJ, por sua vez, concluiu pela impenhorabilidade integral do imóvel, revertendo a decisão do TJRS. O relator, Ministro Paulo Sérgio Domingues, ponderou seu voto nos princípios de proteção ao bem de família previstos no artigo 1º da Lei nº 8.009/1980, que assegura a impenhorabilidade do imóvel residencial da entidade familiar contra débitos civis, comerciais, fiscais ou previdenciários. 

Outrossim, foi destacado no julgamento pelo Tribunal da Cidadania que permitir a constrição do bem conforme decidido pelo Tribunal Gaúcho, violaria princípios constitucionais como o direito à moradia e o mínimo existencial, desconsiderando a função social da propriedade familiar. Os ministros entenderam que o bem de família não se destina apenas à proteção do herdeiro residente, mas de todos os herdeiros, enquanto individualizada a titularidade patrimonial do imóvel herdado pela entidade familiar.

Foi ressaltado que a Lei nº 8.009/1980 consagra o direito à moradia como um dos pilares da dignidade da pessoa humana, garantindo que o bem destinado à habitação da família seja resguardado, mesmo diante de obrigações tributárias. O relator ainda destacou que a indivisibilidade do bem e sua destinação à residência familiar impedem que seja fracionado para fins de penhora, salvo exceções previstas em lei, entre elas, aqueles imóveis suscetíveis de divisão.

A decisão do STJ reforça o entendimento de que a proteção conferida ao bem de família prevalece sobre o interesse arrecadatório do Estado. Além disso, consolida o entendimento de que, em casos de indivisibilidade do bem, a impenhorabilidade deve ser reconhecida em sua totalidade, resguardando não apenas os direitos do herdeiro residente, mas também dos demais coproprietários.

Com este julgamento, o STJ reafirma a relevância da Lei nº 8.009/1980 como instrumento de proteção social e patrimonial, destacando que o direito à moradia deve prevalecer sobre os interesses públicos do Estado. A decisão também evidencia a necessidade de interpretação sistemática e humanizada das normas jurídicas, de forma a garantir que princípios constitucionais como a dignidade da pessoa humana sejam observados em todas as esferas do ordenamento jurídico, inclusive em relação à proteção do bem de família no contexto das execuções fiscais.

A equipe tributária do CM Advogados se coloca à disposição para eventuais esclarecimentos.

 

Por Victor Emanoel Filipin dos Anjos