Ementa: Análise da possibilidade de redução salarial em virtude da crise pandêmica (Covid -19).  Referência aos dispositivos 503 da CLT; inciso VI, artigo 2º da Medida Provisória nº 927 de 22/03/2020; e Lei nº 4.923/1965 em cotejo ao artigo 7º da Constituição Federal.
Dentre as eventuais medidas que o Governo Federal pretende tomar, através da edição de nova Medida Provisória, para combater os danos causados pela pandemia (Covid-19), principalmente no campo econômico e na relação empregatícia, cabe-nos destacar o artigo 503 da CLT, que ao que tudo indica será utilizado para amparar a edição da nova Medida Provisória ainda não publicada. Vejamos:
Art. 503 – É lícita, em caso de força maior ou prejuízos devidamente comprovados, a redução geral dos salários dos empregados da empresa, proporcionalmente aos salários de cada um, não podendo, entretanto, ser superior a 25% (vinte e cinco por cento), respeitado, em qualquer caso, o salário mínimo da região.
Parágrafo único – Cessados os efeitos decorrentes do motivo de força maior, é garantido o restabelecimento dos salários reduzidos.
O dispositivo legal trabalhista acima destacado autoriza, em caso de força maior ou prejuízos devidamente comprovados, a redução geral dos salários dos empregados, não superior a 25% e respeitando o salário mínimo vigente.
Entretanto, o texto legal contido na Consolidação das Leis Trabalhistas (artigo 503) deve ser interpretado em conjunto ao imposto pelo inciso VI, do artigo 7º da Constituição Federal, que materializa o princípio constitucional trabalhista da Irredutibilidade Salarial. Vejamos:
Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:
[…]
VI – irredutibilidade do salário, salvo o disposto em convenção ou acordo coletivo;
[…].
Ao analisarmos o dispositivo constitucional, é possível concluir que a irredutibilidade salarial não é absoluta, isto é, poderá o empregador que comprovadamente demonstrar prejuízos decorrentes de grave crise econômica em virtude de acontecimentos imprevisíveis de força maior reduzir salários de seus empregados, mediante negociação coletiva (convenção ou acordo coletivo), sendo vital, portanto, a participação da entidade sindical (dos obreiros) à redução salarial.
O dispositivo constitucional ora destacado pretende assegurar, ao condicionar a exceção por meio de normas coletivas, que não ocorra qualquer alteração unilateral, impositiva e arbitrária do empregador lesiva ao contrato de trabalho, bem como evitar demissões em massa e grave crise econômica no país.
Nesse cenário, também destacamos o artigo 2º da Lei Federal nº 4.923/1965 – que, dentre outras diretrizes, estabelece medidas contra o desemprego a fim de complementar o dispositivo constitucional anteriormente destacado.
Art. 2º – A empresa que, em face de conjuntura econômica, devidamente comprovada, se encontrar em condições que recomendem, transitoriamente, a redução da jornada normal ou do número de dias do trabalho, poderá fazê-lo, mediante prévio acordo com a entidade sindical representativa dos seus empregados, homologado pela Delegacia Regional do Trabalho, por prazo certo, não excedente de 3 (três) meses, prorrogável, nas mesmas condições, se ainda indispensável, e sempre de modo que a redução do salário mensal resultante não seja superior a 25% (vinte e cinco por cento) do salário contratual, respeitado o salário-mínimo regional e reduzidas proporcionalmente a remuneração e as gratificações de gerentes e diretores.
É possível perceber que o artigo 2º acima transcrito encontra-se em harmonia com o artigo 7º, inciso VI da Constituição Federal, estabelecendo a possibilidade de redução da jornada ou do número de dias trabalhados em cenário de grave dificuldade econômica devidamente comprovada, desde que o empregado esteja representado pela entidade sindical (inciso VI do artigo 7º da Constituição Federal) e que o acordo seja homologado pela Delegacia Regional do Trabalho, por período não excedente de 03 (três) meses, podendo ser prorrogado por igual prazo, e que a redução não seja superior a 25% do salário contratual e a remuneração nunca inferior ao salário mínimo.
Porém, em descompasso com o texto constitucional, temos a recente MP nº 927 de 22/03/2020, dispondo que os acordos individuais terão prevalência sobre as negociações coletivas enquanto perdurar o estado de calamidade pública, dispensando, assim, a chancela sindical para promover a redução salarial – contrária, portanto, à Constituição Federal. Vejamos:
Art.  2º – Durante o estado de calamidade pública a que se refere o art.  1º, o empregado e o empregador poderão celebrar acordo individual escrito, a fim de garantir a permanência do vínculo empregatício, que terá preponderância sobre os demais instrumentos normativos, legais e negociais, respeitados os limites estabelecidos na Constituição.
Sendo assim, embora possamos extrair da MP 927 uma interpretação extensiva que, em tese, autorizaria a redução dos salários dos empregados no limite máximo de 25%, desde que respeitado o limite do salário mínimo, sem a participação da entidade sindical – por meio de mero acordo individual com o empregado, mostra-se tal prática extremamente temerária, em especial por ferir nossa Carta Magna, quando clara dispõe que para reduzir o salário dos empregados é indispensável a participação da entidade sindical.
Portanto, com o ânimo de informar e garantir o mínimo possível de segurança jurídica aos empregadores, sugerimos as empresas que cogitam reduzir os salários de seus empregados amparado nos dispositivos acima citados, se possível, que aguarde a publicação da nova MP anunciada pelo Governo e que, à posterior, ao menos acione o sindicato para composição de acordo coletivo, garantindo assim o fiel cumprimento do contido no inciso VI, do artigo 7º da Constituição Federal a fim de garantir um pouco mais de segurança jurídica.
No mais, como dito, uma nova MP está sendo editada pelo governo e as informações preliminares são que, além de prever a possibilidade de redução salarial proporcional a jornada, será trazida novamente a possibilidade de suspensão do contrato de trabalho (lay off), semelhante ao teor contido no artigo 18 da MP 927, revogado pelo próprio Presidente. Nessa nova tentativa, acredita-se que a suspensão do contrato de trabalho poderá perdurar por 2 (dois) meses, com o custeio do salário ou parte deste pelo Governo através de indenização do seguro desemprego, contudo, a priori, referida medida atingiria somente pequenas e microempresas. Tratam-se de informações trazidas nos bastidores dessa crise, motivo pelo qual, teremos que aguardar novos desdobramentos.
Acreditamos que em momentos inéditos como esse que estamos enfrentando, o uso do bom senso deve ser soberano e nortear todas as nossas ações, uma vez que a Justiça não só Trabalhista, mas todas as outras, exaltam o bom senso e a boa-fé. Temos que estar atentos às possibilidades, mas sempre respeitando os limites legais e constitucionais.
CM Advogados.