Por Rachel Ximenes
Ao aplicar as diretrizes da Lei Geral de Proteção de Dados, caberá a utilização da técnica adequada, encontrando o justo equilíbrio e dando à adversidade o desfecho mais condizente ao fato
Conforme já trazido nesse portal de notícias, em um artigo anteriormente escrito por mim, a Carta Magna de 1988 se estabelece, imprescindivelmente, como o centro de validade do sistema jurídico, possibilitando as compatibilidades formais e materiais dos demais ramos do direito aos preceitos constitucionais e, acima de tudo, dando embasamento à dignidade humana. Frente a isso, tem-se hoje, no ordenamento jurídico, forte discussão sobre a validade constitucional do denominado “Direito ao esquecimento”. A vertente que ora se debate é o direito que uma pessoa possui de não permitir que um fato, ainda que verídico, ocorrido em determinado momento de sua vida, seja exposto ao público em geral, causando-lhe sofrimento ou transtornos.
No Brasil, o direito ao esquecimento tem assento constitucional e legal, embasado pelos direitos a privacidade, intimidade e honra respaldados pelo artigo 5°, X da Constituição e pelo Artigo 21 do Código Civil. Há autores que defendam, ainda, que o direito é uma derivação da dignidade da pessoa humana (Artigo 1°, III da Constituição Federal). O Código de Processo Penal Brasileiro também contempla, em seu artigo 748, uma espécie de Direito ao esquecimento para os réus que cumpram suas respectivas penas, entretanto, esse esquecimento ocorre tão somente no âmbito de registros do Estado.
O tema ganhou força no Poder Judiciário visto os inúmeros casos de pedidos solicitando a remoção e esquecimento de conteúdos que querem deixar para trás. Os debates criam ponderações que devem ser analisadas em cada caso concreto. Enquanto de um lado esbarramos no direito à liberdade de expressão e informação, do outro figuram os direitos a honra, intimidade e privacidade.
É justamente nesse sentido que a pauta da primeira sessão do ano do Supremo Tribunal Federal – STF, agendada para dia 3 de fevereiro de 2021, traz importante caso referente a existência do direito ao esquecimento. Trata-se do Recurso Extraordinário nº 1.010.606, que possui repercussão geral e versa sobre reparação civil pleiteada pela família da vítima de brutal assassinato ocorrido no final dos anos 50 no Rio de Janeiro. A família de Aida Curi procura reparação frente a reconstituição do caso, sem qualquer autorização, vinculada em um programa de televisão da rede globo, em 2004. Na ocasião, os familiares justificaram que ação tem como ensejo o fato de terem sido relembrados dos fatos, que foi encenado e transmitido em cadeia nacional, enquanto gostariam de esquecer as brutalidades pelas quais Aida foi submetida.
De relatoria do ministro Dias Toffoli, a ação já foi pautada por diversas vezes, sendo submetida a realização de audiência pública, em 2017. O relator tratou, na oportunidade, que a matéria apresenta relevância jurídica e social e envolve valiosos interesses, uma vez que aborda tema relativo à harmonização de importantes princípios dotados de estatura constitucional. Por se tratar de tema sensível, estudiosos temem que a abordagem trazida pelo Supremo possa, de algum modo, impor limites a liberdade de expressão e atuação, seguindo o quanto tratado pelo Superior Tribunal de Justiça – STJ, em 2018, que decidiu que quando realizada a pesquisa do nome de uma promotora na internet, os provedores de buscas não poderiam associá-la a qualquer resultado que fizesse menção a uma suposta fraude em concurso para a magistratura do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro – TJ/RJ.
A Lei Geral de Proteção de Dados – Lei 13.709 de 14 de agosto de 2018 – trouxe consigo novas formas de lidar com os dados e sua proteção, impactando diretamente no que diz respeito ao direito ao esquecimento. Nesse contexto, a norma surge norteando-se sob a ótica do respeito à privacidade, reconhecendo o direito à autodeterminação informativa, a liberdade de expressão, de comunicação, de informação, inviolabilidade da intimidade, da honra, da imagem, elencados em seu artigo 2º. Nesse sentido, estabelece o diploma legal que toda informação que diz respeito a pessoa natural, seja ela identificada ou identificável, é recebida como dado pessoal e que, sua administração deve ocorrer sem desvios e de modo seguro, com consentimento prévio da parte, que deverá se manifestar de forma livre e inequívoca, anuindo com o tratamento de seus dados pessoais para a finalidade definida.
É fato incontestável que a internet é catalisadora da propagação de informações perante o mundo. Embora dispensável, sua utilização, muita das vezes, acaba por ferir direitos inerentes à pessoa, no que diz respeito aos seus dados pessoas e a vida intima. Com o exponencial aumento crescimento de trocas de informações pela internet, a disposição é que agora busque-se uma compatibilização entre as normas, face aos direitos fundamentais no que tange o direito ao esquecimento. A LGPD possui condão para servir como fundamento as decisões judiciais que sentenciem a retirada de conteúdos da internet. Mostra-se qualificada para cooperar com a efetiva proteção daqueles que tiverem o direito ao esquecimento admitido.
Por fim, por obra do vasto e diversificado cabedal de possibilidades colocadas a disposição dos meios de comunicação e da população em geral, para a captação e disseminação da imagem, correligionária a amplitude concedida pelo texto Constitucional, o qual coibiu qualquer possibilidade de censura, a discussão acerca da linha tênue entre o Direito ao esquecimento e a liberdade de expressão, montam um palco para uma discussão complexa. O direito ao esquecimento cuida de controlar a liberdade de expressão, conferindo àqueles que querem que determinado fato ocorrido em sua vida seja esquecido pela sociedade.
Por consequência, há de ser sopeado o interesse das partes, no caso concreto, mas não se esquecendo, jamais, que mesmo diante de um episódio onde se queira que fato ocorrido fique tão somente onde aconteceu, a história deve ser demonstrada do modo fiel ao ocorrido. Ao aplicar as diretrizes da Lei Geral de Proteção de Dados, caberá a utilização da técnica adequada, encontrando o justo equilíbrio e dando à adversidade o desfecho mais condizente ao fato, seja estabelecendo a permanência das informações, seja compulsando as empresas que tenham as ferramentas adequadas a proporcionarem aos interessados uma forma efetiva no sentido de que retirem o conteúdo causador da violação dos direitos fundamentais da internet ou de outro meio de comunicação.
Publicado no Migalhas.


Rachel Leticia Curcio Ximenes é sócia do CM Advogados, bacharel em Direito pela PUC/SP. Mestra e doutora em Direito Constitucional. Presidente da Comissão Especial de Direito Notarial e Registros Públicos da OAB/SP – Ordem dos Advogados do Brasil, Seção São Paulo.