Ementa: O presente memorando dispõe sobre possíveis implicações trabalhistas, sobretudo para empresas prestadoras de serviços não essenciais, que desrespeitarem a quarentena instituída por decretos municipais e estaduais como medidas de enfrentamento do Estado de Calamidade Pública e da Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional decorrente do Coronavírus (COVID-19).
1 Introdução
A atenção do mundo está voltada a uma só questão: o sars cov 2, vírus causador da enfermidade Covid-19. Apresentando uma taxa de contágio significativa, em pouco tempo o novo vírus se espalhou pelo mundo a ponto de, em 11 de março de 2020, a Organização Mundial de Saúde (OMS) declarar situação de pandemia.
A partir daí, e seguindo os exemplos e ensinamentos de países onde a Covid-19 coleciona mortes, autoridades de saúde do mundo passaram a aconselhar os governantes sobre a necessidade de adoção de medidas restritivas de circulação de pessoas e funcionamento de estabelecimento. Com base nessas orientações, muitas autoridades executivas brasileiras optaram – por meio de decretos, dentre outras medidas, pela suspensão de todas as atividades e serviços privados considerados não essenciais.
Essa paralisação das atividades econômicas trará, de certo, um grave período de recessão, o qual, ainda, não se pode mensurar. Diante disso, muitos empresários cogitam a hipótese de quebrar a quarentena e, então, convocar seus funcionários de volta ao trabalho.
Por se tratar de uma situação inédita no mundo, cotejar as implicações juslaborais decorrentes dessa conduta são presunções que, embora amparadas na lei e na própria prática trabalhista, não deixam de ser incertas. Vejamos, pois, algumas.
2 Da doença ocupacional. Do dano moral e material e do ambiente de trabalho insalubre.
Numa edição extra do Diário Oficial da União (DOU), publicada em 22 de março de 2020 (domingo), uma das diversas alternativas de enfrentamento da pandemia adotada pelo Governo Federal, foi a Medida Provisória (MP) 927, a qual, em seu art. 29, dispõe que os "casos de contaminação pelo coronavírus (covid-19) não serão considerados ocupacionais, exceto mediante comprovação do nexo causal".
Depreende-se do artigo elencado, que a presunção de ausência de doença ocupacional por contágio de Covid-19 é relativa, ou seja, na hipótese de comprovação pelo trabalhador, em juízo, de que contraiu a Covid-19 no exercício de suas atividades laborais e/ou em decorrência delas, acarretará à empresa condenação a eventual reintegração do empregado (caso contrato do obreiro tenha sido rescindido), bem como assegurará garantia de emprego a este que fará jus a período de estabilidade por 12 (doze) meses, iniciado após cessar a enfermidade. Caso não seja de interesse do empregado retornar/continuar na empresa, poderá pleitear indenização substitutiva de todo o período de estabilidade. Não satisfeito, o trabalhador pode postular a reparação por danos materiais, ou seja, requerer em juízo que a empresa cubra todas as despesas médicas e afins resultantes de sua contaminação.
Por fim, cumpre-nos alertar que, em caso de óbito do empregado em decorrência de Covid-19, comprovadamente contraído durante/em decorrência das atividades laborais, poderá a empresa ser condenada ao pagamento [sempre vultuosa] de indenização por danos morais à família do de cujus, inclusive, com a possibilidade de cumulação com pedido de pensão mensal vitalícia, na hipótese de comprovar que o de cujus era arrimo de família ou que ao menos contribuía expressivamente com as despesas domésticas.
Inobstante ao alerta acima tecido, as normas referentes à higiene, saúde e segurança do trabalho são consideradas normas de ordem pública, ou seja, não estão sujeitas à vontade das partes. Ainda que envoltas num mar de incertezas quanto a assertividade, as medidas restritivas de funcionamento das empresas decorrem de deliberações das autoridades administrativas municipais e estaduais e, portanto, têm força de lei e, em última análise, visam a preservação do bem jurídico saúde pública.
Nada obstante, ainda que alheia à vontade do empregador, a velocidade com que se propaga o vírus pode alterar as condições de salubridade do ambiente de trabalho, e, conforme dispõe o anexo XIV da Norma Regulamentadora (NR)15, poderá fazer jus à percepção de adicional de insalubridade em grau máximo ou médio – a depender do caso – trabalhador que mantiver contato permanente com agentes biológicos potencialmente patogênicos.
Diante de todo o exposto, em eventual reclamação trabalhista ajuizada por empregado que fora coagido pelo empregador a retornar ao seu posto de trabalho durante a quarentena legal, poderá ensejar pedidos de indenização por danos morais e/ou adicional de insalubridade pela exposição a um risco maior de contágio de Covid-19. Nesse aspecto, embora o risco exista para todas atividades empresariais, àquelas tidas como não essenciais ganham maior relevância e preocupação, vez que o Judiciário Trabalhista certamente levará essa questão em consideração na análise dos casos concretos.
No mais, aconselhamos às empresas que permanecerão operando que cumpra as  diretrizes passadas pelo TST, fundamentadas na declaração da Organização Mundial da Saúde – OMS feita em 11/03/2020, pertinentes ao cuidado extra com higiene e limpeza dos locais, disponibilização de álcool em gel, maior fiscalização no uso dos EPIs (quando necessários à função), e conscientização dos colaboradores a fim de se evitar aglomerações para que o vírus não seja proliferado ainda mais, bem como que tais medidas preventivas sejam documentadas através de fotos e vídeos.
Outra medida preventiva, é o afastamento dos colaboradores idosos com mais de 60 (sessenta anos) e àqueles integrantes do grupo de risco. Sugerimos que seja feita uma análise nos exames periódicos dos colaboradores a fim de afastar àqueles que se encontram no grupo de risco (pacientes com doenças crônicas cardiovasculares e pulmonares, com sistema imunológico debilitado como em tratamento oncológico, dentre outros), a fim de demonstrar a precaução da empresa e evitar possíveis infortúnios trabalhistas.
3 Da responsabilização da empresa pelo contágio de terceiros
Conforme sobredito, estamos vivenciando uma situação inédita, e não se tem certeza de quais serão seus reflexos no mundo jurídico. Apesar disso, buscamos no presente contemplar ao máximo o leque de possíveis implicações à empresa que descumprir a quarentena com o intuito de melhor instruir nosso clientes.
Dessa forma, alertamos que há possibilidade de se pleitear junto ao Judiciário a responsabilização da empresa pelo contágio até mesmo de terceiros à relação de emprego.
Suponhamos que um funcionário da empresa contraia Covid-19 no local de trabalho, quando da quebra da quarentena, e então volte para a casa e contamine seus familiares. Ainda, em juízo, consiga comprovar que sua contaminação se deu em ambiente laboral e que por consequente houve a contaminação de seus familiares. Nessa hipotética e aparentemente longínqua situação, é possível que os familiares do empregado também pleiteiem a responsabilização cível da empresa por suas enfermidades ou que o próprio empregado demande alguma indenização decorrente do adoecimento ou falecimento de algum ente familiar.
O fantasioso caso acima narrado poderia ser alicerçado na culpa do empregador, que por negligência ou imprudência, mesmo alertado pelas autoridades de saúde e proibido pelas administrativas, expôs seus empregados ao risco de contaminação e, então, alimentando a cadeia de transmissão, determinou o retorno de suas atividades mesmo não sendo essenciais.
Apesar de não ser cabível no presente parecer que, modestamente, busca tão somente aventar as possíveis vulnerabilidades trabalhistas, ainda assim, alertamos que a tese acima exposta pode, inclusive, embasar fundamentação para possíveis implicações cíveis e penais àquele que determinar o descumprimento da quarentena.
4 Da multa administrativa
Por fim, os decretos possuem força de lei e, portanto, a quebra da quarentena, então, pode resultar desde o fechamento compulsório do estabelecimento comercial à multa administrativa ou, ainda, à suspensão de licença para funcionamento, a depender da autoridade administrativa que determinou o fechamento das atividades privadas.
Quanto ao âmbito trabalhista, embora seja possível haver fiscalização pelos auditores, em especial se houver denúncia quanto a possíveis questões relacionadas a saúde e segurança do trabalho, mais atinentes a questões sanitárias e epidemiológicas decorrentes do período de pandemia, acreditamos que eventual infração seja a menos por ora, algo mais remoto de ocorrer.
5 Conclusão
É nítido que as medidas restritivas impostas por algumas autoridades administrativas impactarão (se já não impactaram) no orçamento e saúde financeira de muitas empresas, até mesmo inviabilizando-as. Contudo, quando se trata de normas que visão a proteção do bem jurídico saúde pública o Judiciário costuma ser implacável, principalmente o Trabalhista.
Diante disso, aconselhamos, se possível, a adoção de outras alternativas para o enfrentamento da recessão gerada pela paralisação das atividades empresarias, tais como àquelas trazidas com a MP 927/2020 (férias individuais e coletivas, antecipação de feriados e banco de horas especial), ou até mesmo a suspensão do contrato de trabalho dos funcionários nos termos da MP 936/2020.
 
CM Advogados – Equipe Trabalhista.