Portaria MF 12/2012: parcelamentos e segurança jurídica
Com o avanço mundial da Coronavirus disease 2019, comumente designada de COVID-19, muito se tem falado a respeito de suas consequências sobre a saúde pública mundial sem, contudo, perder de vista os aspectos econômicos também decorrentes da infecção pandêmica.
Por conta disso, notadamente em função da paralisação de importantes setores da economia, abrangendo de maneira generalizada a produção e o consumo – ressalvados os setores tidos como essenciais –, muitos contribuintes têm buscado ferramentas, especialmente no campo tributário, para que seja possível dar continuidade ao desenvolvimento da atividade empresarial ou, ao menos, evitar sua indesejável e involuntária extinção.
Isso porque, apesar de grande parcela das pessoas jurídicas estar sob os mandamentos da Lei Complementar 123/2006, popularmente conhecida como Lei do Simples Nacional, e, por esse motivo, beneficiar-se da Resolução n
º 152/2020, editada pelo Comitê Gestor do Simples Nacional, que prorroga a data de pagamento dos tributos federais[1], não se pode perder de vista que, até o presente momento, o que se tem, com relação às outras pessoas jurídicas (tributadas pelo regime do lucro real ou presumido), é mera expectativa de que também sejam beneficiadas com essa forma de dilação de prazo.
Enquanto isso não ocorre, muitos contribuintes tem questionado a possibilidade de aplicação da Portaria nº 12/2012, do Ministério da Fazenda (atual Ministério da Economia), editada pelo então Ministro Guido Mantega, que, já em seu artigo 1º, demonstra a circunstância fundamentadora de seu emprego – estado de calamidade pública reconhecido por Decreto Estadual.
Referido ato normativo (em nível hierárquico inferior à lei), estabelece, no mesmo artigo (1º), que a data de vencimento de tributos federais, administrados pela Secretaria da Receita Federal do Brasil (RFB), ficam prorrogados para o último dia útil do 3º (terceiro) mês subsequente, que, reforce-se, sejam devidos pelos sujeitos passivos domiciliados nos municípios abrangidos por decreto estadual que tenha reconhecido estado de calamidade pública, aplicável ao mês da ocorrência do evento que ensejou a decretação do estado de calamidade pública e ao mês subsequente.
Ainda, estabeleceu-se normativa relativa a parcelamentos, com previsão expressa de que a postergação de prazo de recolhimento também seria aplicável às datas de vencimento das parcelas de débitos objeto de parcelamento concedido pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) e pela RFB, consoante pode ser visto da seguinte disposição:
Art. 1º As datas de vencimento de tributos federais administrados pela Secretaria da Receita Federal do Brasil (RFB), devidos pelos sujeitos passivos domiciliados nos municípios abrangidos por decreto estadual que tenha reconhecido estado de calamidade pública, ficam prorrogadas para o último dia útil do 3º (terceiro) mês subsequente.
(…).
- 3º O disposto neste artigo aplica-se também às datas de vencimento das parcelas de débitos objeto de parcelamento concedido pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) e pela RFB.
Com efeito, inegável reconhecer a existência de disposição expressa no sentido de que a dilação de prazo abarca a data de vencimento de débitos que foram parcelados, seja no âmbito da Secretaria da Receita Federal do Brasil (RFB), seja junto à Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), nos limites da Portaria.
No entanto, muitos contribuintes com parcelamentos em curso têm se questionado sobre a real possibilidade de se valerem da citada norma editada pelo então Ministério da Fazenda, tendo em vista o receio de rompimentos e perda de benefícios econômicos auferidos.
De fato, o artigo 3º da mesma Portaria prevê que, tanto a RFB, quanto a PGFN, no âmbito de suas competências, expedirão os atos necessários para a implementação do disposto nesta Portaria, inclusive a definição dos municípios a que se refere o art. 1º, o que fez surgir questionamentos acerca de sua eficácia, se plena ou condicionada à normatização no âmbito desses órgãos.
Apesar da existência da previsão do referido artigo 3º, não se pode negar duas situações: a primeira, no sentido de que a competência atribuída aos referidos órgãos apenas lhes autoriza a normatizar os atos necessários para a implementação do disposto nesta Portaria, isto é, definir aspectos que não estejam condicionados à fruição da dilação concedida, voltando-se, portanto, para a parte operacional; e a segunda, na acepção de que se mostra completamente desnecessária a especificação individualizada dos municípios abrangidos pelo abrangidos por decreto estadual que tenha reconhecido estado de calamidade pública quando esse (decreto estadual) determinar o reconhecimento dessa circunstância em todo o Estado.
Nesse sentido tem o Poder Judiciário se manifestado, mesmo que em decisões liminares (sem discussão final de mérito), reconhecendo a aplicabilidade da sobredita Portaria, mesmo diante da inexistência de cumprimento de seu artigo 3º, veja-se:
(…).
No caso presente, diviso a presença de fumus boni iuris.
De acordo com a Portaria MF nº 12, de 20 de janeiro de 2012:
(…).
Como se vê, trata-se de norma geral e abstrata.
Ou seja, o elemento nuclear do suporte fático do direito subjetivo à prorrogação das datas de vencimento de tributos federais administrados pela Secretaria da Receita Federal do Brasil não é uma específica calamidade pública pretérita, mas toda e qualquer calamidade pública futura.
Todavia, o artigo 3º da portaria institui uma conditio iuris: a RFB e a PGFN devem, nos limites de suas competências, definir os municípios abrangidos pelo decreto estadual que tenha reconhecido o estado de calamidade pública.
Isso porque, de ordinário, o estado de calamidade pública se circunscreve a áreas restritas e determinadas; logo, é preciso que a autoridade tributária federal especifique os municípios nelas abrangidos.
Enfim, o estado de calamidade sói obedecer a uma lógica de localidade.
No entanto, o Decreto nº 64.879, de 20 de março de 2020, "reconhece o estado de calamidade pública, decorrente da pandemia do COVID-19, que atinge o Estado de São Paulo".
Aqui, excepcionalmente, o estado de calamidade obedeceu a uma lógica de globalidade.
Noutras palavras, abrangeu todo o Estado de São Paulo.
Nesse caso, não há qualquer sentido na especificação administrativo-tributária dos municípios abrangidos pela área sob estado de calamidade: todos os municípios paulistas se encontram sob esse estado.
Daí por que – ao menos sob cognição sumária, própria às tutelas de urgência – entendo que as impetrantes já são titulares do direito à prorrogação a que alude a Portaria MF 12, de 2012.
(…).
(Mandado de Segurança nº 5002343-85.2020.4.03.6102, 7ª Vara Federal de Ribeirão Preto, decisão de 27 de março de 2020)
Em idêntico sentido estão as decisões proferidas no âmbito dos Mandados de Segurança nº 5004087-09.2020.4.03.6105, 6ª Vara Federal de Campinas, decisão de 26/03/2020; 5001503-46.2020.4.03.6144, 2ª Vara Federal de Barueri, decisão de 27 de março de 2020; entre outras.
Por força disso, outra interpretação, eventualmente empregada pelo Fisco Federal, será extremamente desarrazoada, contrariando não só a normativa por si editada, mas também a Lei que atribui ao Ministro da Fazenda competência para fixar prazos de pagamento de receitas federais compulsórias (Lei nº 7.450/1985, artigo 66) e, ainda, a própria Constituição Federal (artigo 87, inciso II).
Ademais, reforçando o que vem sendo exposto, convém registrar que, nos termos do artigo 160 do Código Tributário Nacional, a data de pagamento de tributos deve observar a "legislação tributária", a qual compreende as leis, os tratados e as convenções internacionais, os decretos e as normas complementares (artigo 96 do mesmo Códex), sendo essas últimas (normas complementares) caracterizadas pelos atos normativos expedidos pelas autoridades administrativas (artigo 100, inciso I), tal como a Portaria em análise.
Nesse sentido, a despeito de o Código Tributário Nacional determinar a impossibilidade de incidência de multa, juros moratórios e correção monetária quando o contribuinte pautar sua conduta segundo atos normativos expedidos pelas autoridades administrativas (artigo 100, inciso I), entendemos, por questão de segurança, pela necessidade de prévio ajuizamento de medida judicial (mandado de segurança) para que o contribuinte, com base em decisão judicial, mesmo que não definitiva, deixe de realizar os recolhimentos nas épocas próprias, evitando-se assim eventual rompimento de parcelamento e perda dos importantes benefícios alcançados, pois que, como se sabe, via de regra, há possibilidade de ocorrência de rescisão de parcelamentos na hipótese de falta de pagamento de certa quantidade de parcelas consecutivas (em regra, três), alternadas ou, mesmo, da última parcela estando as demais pagas.
Por fim, convém ressaltar que a Portaria nº 543/2020, da Secretaria da Receita Federal do Brasil, em nada altera o posicionamento acima apresentado, na medida em que apenas suspende, até 29 de maio de 2020, procedimentos de exclusão de contribuinte de parcelamento por inadimplemento de parcelas, não impedindo que, posteriormente a essa data, tal procedimento seja realizado.
No mesmo sentido temos a Portaria nº 103/2020 do Ministério da Economia, pois a previsão contida no seu artigo 2º apenas autoriza – e não impõe – a suspensão, por até noventa dias, dos procedimentos de rescisão de parcelamentos por inadimplência (inciso I, alínea d).
Diante todo o exposto, é possível afirmar ser cabível a propositura de medida judicial (mandado de segurança) com pleito de ordem para recolhimento de parcelas de débito objeto de parcelamento nos termos do artigo 1º da Portaria MF nº 12/2012.
Colocamo-nos à total disposição para eventuais esclarecimentos e apontamentos extras que sejam entendidos como necessários, ressaltando que será um enorme prazer poder contribuir não só com a economia, mas, principalmente, para que as pessoas jurídicas atravessem da melhor maneira possível este delicado momento vivenciado.
CM ADVOGADOS
[1] Os tributos federais devidos no âmbito do Simples Nacional, com relação aos períodos de apuração de março/2020, abril/2020 e maio/2020 ficam, respectivamente, prorrogados para outubro/2020, novembro/2020 e dezembro/2020. Referido ato infralegal pode ser acesso pelo seguinte link: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/portaria/Resolucao%20n%C2%BA%20152-ME_SEF.htm.