PL 3.160/23 e o cultivo caseiro de cannabis para fins medicinais
Por Sergio Luiz Ribeiro Filho
Isso significa dizer que, ao mesmo tempo, em que favorece a vida de milhares de pessoas, a matéria ainda é vantajosa para todo um setor cientifico da sociedade, que pode ser ainda mais desenvolvido de modo a se descobrir ainda mais utilidades e benefícios da cannabis para a saúde da população.
Apresentado perante a Câmara dos Deputados no último dia 20 de junho, o PL 3.160/23, de autoria do Deputado Kim Kataguiri – UNIÃO/SP, altera a lei 11.343, de 23 de agosto de 2006, que institui o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas – SISNAD, para dispor sobre o cultivo caseiro e a extração artesanal de óleo de cannabis sativa exclusivamente para fins medicinais.
A proposição, ainda em fase inicial, autoriza o cultivo caseiro e a extração artesanal de óleo de cannabis sativa para uso exclusivo no tratamento de patologias, com indicação médica, uma vez demonstrada a necessidade do uso do canabidiol como única terapia viável para obter a melhora do paciente. No entanto, os critérios para o cultivo caseiro deverão ser regulamentados pelo Poder Executivo. A norma vem no sentido de ser compatível com a garantia à saúde pública de qualidade prevista na Carta Magna de 1988, possibilitando um acesso democrático e universal estabelecido pelo nosso ordenamento jurídico.
Vale ressaltar que o Ministério da Saúde e a Agência Nacional de Vigilância Sanitária possuem um processo próprio para a solicitação de autorização para importação excepcional de produtos derivados de cannabis. Por meio da Resolução RDC 660/22 são estabelecidos critérios para o requerimento, tais como a prescrição médica e o cadastro junto à ANVISA. Em um prisma de acesso universal à saúde, cabem críticas ao processo que, embora tenha conquistado espaços antes repletos de tabus, ainda impõe parâmetros que dificultam o acesso pela grande parte da população.
Insta salientar que no parágrafo único do art. 2° da lei 11.343/06 (Lei de Drogas) existe ressalvas aos seus termos no sentido de permitir o estudo medicinal e científico de vegetais dos quais possam ser extraídas ou produzidas drogas (conforme lista substâncias sujeitas a controle especial no Brasil emitida pela Anvisa), dependendo somente de regulamentação do Poder Executivo. Contudo, frente ao preconceito que rodeia o assunto e a morosidade em produzir e aprovar normas que supram a demanda e as necessidades médicas e populacionais, é que surge a presente proposição justificando, inclusive, que o próprio Superior Tribunal de Justiça, mediante a Sexta Turma, concedeu um salvo-conduto para garantir a três pessoas que pudessem cultivar cannabis Sativa para extração de óleo medicinal para uso próprio, sem o risco de repressão por parte da polícia e do Judiciário (STJ, RHC 147169, 6ª turma, julgamento em 14/6/22).
Ainda, a regulamentação do cultivo e extração de óleo da cannabis é benéfica para pacientes e à produção científica nacional, a partir de uma análise de dois dispositivos constitucionais: o direito fundamental à expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação (art. 5º, IX) e a determinação de promoção e incentivo ao desenvolvimento científico, à pesquisa, à capacitação científica e tecnológica e à inovação pelo Estado (art. 218 e seguintes). Estes dispositivos incorporam-se no catálogo dos direitos fundamentais e exigem uma maior proteção jurídica por serem um meio do avanço civilizacional. Não à toa, a ciência é tida em nossa sociedade como fruto do avanço técnico científico, possibilitando o exercício intelectual que busque a melhora das condições de vida de todos os indivíduos.
Isso significa dizer que, ao mesmo tempo, em que favorece a vida de milhares de pessoas, a matéria ainda é vantajosa para todo um setor cientifico da sociedade, que pode ser ainda mais desenvolvido de modo a se descobrir ainda mais utilidades e benefícios da cannabis para a saúde da população. Há de se valer que a matéria ainda carece de propostas legislativas efetivas, que caminhem concretamente, de modo a se assegurar o dispositivo constitucional de acesso à saúde, sendo, o PL 3.160/23 importante mecanismo no enfrentamento desses preconceitos e tabus que há tempos já deveriam ter sido superados.
É meritório ressaltar que o Canabidiol atua no sistema nervoso central, ajudando a tratar doenças psiquiátricas e neurodegenerativas, como esquizofrenia, mal de Parkinson, epilepsia refratária, esclerose múltipla, transtorno do espectro autista, doenças raras, dentre outras. A matéria ainda aguarda despacho do Presidente da Casa para iniciar sua tramitação e, assim como outras proposições que versem sobre o tema, o debate será intenso junto aos parlamentares. Por fim, a proposição surge junto ao congresso nacional como mais um mecanismo que visa facilitar e proporcionar saúde e dignidade àqueles que necessitam e, neste escopo, é necessário nos ater ao fato de que já evoluímos o bastante para deixar o preconceito de lado e começar a acatar as evidências científicas sobre os benefícios do uso da cannabis, voltando nossos olhares aos direitos basilares do cidadão, sobretudo a garantia a saúde pública de qualidade, sem que para isso sejam estabelecidas ainda mais restrições e dificuldades para o seu acesso.
Publicado no Migalhas.