Morte em decorrência de COVID-19 gera indenização de R$ 200 mil e levanta alerta para empresas para evitar tal passivo trabalhista
No dia 15 de março de 2021 a decisão em primeira instância proferida no estado de Minas Gerais chamou atenção ao condenar a empresa ao pagamento de R$200.000,00 (duzentos mil reais) após constatar a morte de um empregado por COVID-19 como doença ocupacional.
Não obstante as peculiaridades do caso concreto e o livre convencimento do juiz, por se tratar de primeira decisão neste sentido, é imperioso analisar os parâmetros gerais utilizados pelo julgador a fim de elidir riscos futuros em eventuais ajuizamentos com o mesmo teor em todo setor empresarial.
Em primeiro lugar, constatou-se que, como motorista de caminhão, o trabalhador passava dias fora de sua residência, sendo que as provas documentais mostraram que o período de contágio/incubação do vírus teria ocorrido durante uma dessas viagens. Esta informação aliada ao fato de que ninguém da família se contaminou no mesmo período foram suficientes para indicar que a contaminação ocorreu em razão do trabalho prestado.
Em análise às teorias de responsabilidade civil objetiva ou subjetiva, o juízo exarou sua decisão com fundamento na tese fixada pelo Supremo Tribunal Federal na ADI nº6342, a qual suspendeu a eficácia do artigo 29 da MP nº 927/20, o qual dispunha que "casos de contaminação pelo coronavírus (covid-19) não seriam considerados ocupacionais", salvo se houvesse "comprovação de nexo causal". Com isso, aplicou a tese firmada no Tema nº 932, com repercussão geral reconhecida, publicada em 12/03/2020, ora transcrita:
Decisão: O Tribunal, por maioria, fixou a seguinte tese de repercussão geral: “O artigo 927, parágrafo único, do Código Civil é compatível com o artigo 7º, XXVIII, da Constituição Federal, sendo constitucional a responsabilização objetiva do empregador por danos decorrentes de acidentes de trabalho, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida, por sua natureza, apresentar exposição habitual a risco especial, com potencialidade lesiva e implicar ao trabalhador ônus maior do que aos demais membros da coletividade”, nos termos do voto do Ministro Alexandre de Moraes (Relator), vencido o Ministro Marco Aurélio. Ausente, por motivo de licença médica, o Ministro Celso de Mello. Presidência do Ministro Dias Toffoli. Plenário, 12.03.2020. (g.n)
Assim, entendeu o julgador pela responsabilidade objetiva posto que a empresa teria assumido risco de manter o trabalhador em atividade durante a pandemia com exposição habitual aos riscos que tornou o obreiro vulnerável aos ambientes que se submetia ao longo das viagens, ficando suscetível à contaminação, seja pelas instalações sanitárias existentes nos pontos de parada, seja nos pátios de carregamento dos colaboradores e clientes.
Quanto à análise das medidas de proteção realizadas pela empresa, destacou o juízo que a empresa não demonstrou nos autos que as medidas profiláticas e de sanitização do ambiente eram levadas a efeito todas as vezes que a alternância de motorista acontecia.
Isto porque, em primeiro lugar, não houve comprovação nos autos de que o comunicado com a observação para que os colaboradores evitem caronas, deixem o ar circular e higienizem as cabinas fosse recebido e assinado pelo Reclamante, sendo publicizado apenas por meio de mural localizado na sede da empresa.
Além disso, embora a empresa tenha acostado recibo de entrega de álcool em gel assinado pelo Reclamante, este ocorreu apenas em uma ocasição, não sendo possível confirmar que a quantidade era suficiente para uso diário e regular em todos os trajetos percorridos.
Importante mencionar que o julgador considerou o fato de que a pandemia de COVID-19 configura-se como um evento de contaminação imprevisível e inevitável, se deixadas de serem adotadas medidas preventivas e de profilaxias, sobretudo aos empregadores que mantiveram as atividades. Neste escopo, o nexo causal no presente caso restaria prejudicado somente se houvesse comprovação total de que adotou postura de proatividade e zelo em relação aos seus empregados, fato que, segundo a decisão, não se constatou.
Com isso, em relação ao pedido de condenação no importe de R$500.000,00, o juízo julgou procedente a condenação no montante de R$200.000,00 a título de danos extrapatrimoniais.
Diante da análise acima exposta, importante realizar o cotejo da decisão à luz das disposições normativas vigentes no contexto atual. Conforme elucidado, as atividades que indicam maior risco de contaminação ou decorrentes de lei demandam cuidados e, principalmente, documentação ainda mais específicos, sendo imprescindível a realização de constantes treinamentos e orientações adequados à cada atividade que devem ser fomralizados pelos empregadores aatravés de termos devidamente assinados pelos trabalhadores, além de fornecimento contínuo de máscaras, álcool em gel com assinatura de recebimento, alem de outras medidas que demonstrem a adoção de todas as medidas sanitáiras pertinentes.
Conforme exposto, a simples apresentação de circula com orientações gerais fixada no mural da empresa não foram suficientes para indicar a ostensiva preocupação pela busca da neutralização do risco pela empresa, sendo imperiosa a necessidade de comprovação de cuidados necessários a cada função individualmente, com correspondente procedimento informado, a exemplo, a empresa não determinou a obrigatoriedade de higienização a cada troca de motorista, ainda que este fosse apenas estacionar o veículo na empresa.
Neste sentido, importante que as empresas se valham dos preceitos estabelecidos pela Nota Técnica SEI nº 14127/2021/ME, publicada no dia 01º de abril de 2021, a qual indica que a Portaria Conjunta SEPRT/MS nº 20/20 é o documento hábil que demonstra as medidas de proteção que todas as empresas devem seguir, servindo de parametro para analisar se esta em consonância com as precauções pertinentes a fim de neutralizar os riscos de contágio no ambiente de trabalho, se documentar e atenuar os riscos de passivo trabalhista.
A título de exemplo, cita-se como obrigação das empresas, os seguintes procedimentos:
1.1 A organização deve estabelecer e divulgar orientações ou protocolos com a indicação das medidas necessárias para prevenção, controle e mitigação dos riscos de transmissão da COVID-19 nos ambientes de trabalho.
1.1.1 As orientações ou protocolos devem estar disponíveis para os trabalhadores e suas representações, quando solicitados.
1.2 As orientações ou protocolos devem incluir:
a) medidas de prevenção nos ambientes de trabalho, nas áreas comuns da organização, a exemplo de refeitórios, banheiros, vestiários, áreas de descanso, e no transporte de trabalhadores, quando fornecido pela organização;
b) ações para identificação precoce e afastamento dos trabalhadores com sinais e sintomas compatíveis com a COVID-19;
c) procedimentos para que os trabalhadores possam reportar à organização, inclusive de forma remota, sinais ou sintomas compatíveis com a COVID-19 ou contato com caso confirmado da COVID-19; e
d) instruções sobre higiene das mãos e etiqueta respiratória.
1.2.1 As orientações ou protocolos podem incluir a promoção de vacinação, buscando evitar outras síndromes gripais que possam ser confundidas com a COVID-19.
1.3 A organização deve informar os trabalhadores sobre a COVID-19, incluindo formas de contágio, sinais e sintomas e cuidados necessários para redução da transmissão no ambiente de trabalho e na comunidade.
1.3.1 A organização deve estender essas informações aos trabalhadores terceirizados e de outras organizações que adentrem o estabelecimento.
1.4 As instruções aos trabalhadores podem ser transmitidas durante treinamentos ou por meio de diálogos de segurança, documento físico ou eletrônico (cartazes, normativos internos, entre outros), evitando o uso de panfletos.
Higiene, ventilação, limpeza e desinfecção dos ambientes
5.1 A organização deve promover a limpeza e desinfecção dos locais de trabalho e áreas comuns no intervalo entre turnos ou sempre que houver a designação de um trabalhador para ocupar o posto de trabalho de outro.
7. Equipamentos de Proteção Individual – EPI e outros equipamentos de proteção
7.1 Devem ser criados ou revisados os procedimentos de uso, higienização, acondicionamento e descarte dos Equipamentos de Proteção Individual – EPI e outros equipamentos de proteção utilizados na organização tendo em vista os riscos gerados pela COVID-19.
7.1.1 A organização deve orientar os trabalhadores sobre o uso, higienização, descarte e substituição das máscaras, higienização das mãos antes e após o seu uso, e, inclusive, limitações de sua proteção contra a COVID-19, seguindo as orientações do fabricante, quando houver, e as recomendações pertinentes dos Ministérios da Economia e da Saúde.
7.1.2 As máscaras cirúrgicas e de tecido não são consideradas EPI nos termos definidos na Norma Regulamentadora nº 6 – Equipamentos de Proteção Individual e não substituem os EPI para proteção respiratória, quando indicado seu uso.
7.2 Máscaras cirúrgicas ou de tecido devem ser fornecidas para todos os trabalhadores e seu uso exigido em ambientes compartilhados ou naqueles em que haja contato com outros trabalhadores ou público.
7.2.1 As máscaras cirúrgicas ou de tecido devem ser substituídas, no mínimo, a cada três horas de uso ou quando estiverem sujas ou úmidas.
7.2.2 As máscaras de tecido devem ser confeccionadas e higienizadas de acordo com as recomendações do Ministério da Saúde.
7.2.3 As máscaras de tecido devem ser higienizadas pela organização, após cada jornada de trabalho, ou pelo trabalhador sob orientação da organização.
7.3 Os EPI e outros equipamentos de proteção não podem ser compartilhados entre trabalhadores durante as atividades.
7.3.1 Os EPI e outros equipamentos de proteção que permitam higienização somente poderão ser reutilizados após a higienização.
7.4 Somente deve ser permitida a entrada de pessoas no estabelecimento com a utilização de máscara de proteção.
7.5 Os profissionais responsáveis pela triagem ou pré-triagem dos trabalhadores, os trabalhadores da lavanderia (área suja) e que realizam atividades de limpeza em sanitários e áreas de vivências devem receber EPI de acordo com os riscos a que estejam expostos, em conformidade com as orientações e regulamentações dos Ministérios da Economia e da Saúde.
(…)
10.7 Os motoristas devem higienizar frequentemente as mãos e o seu posto de trabalho, inclusive o volante e superfícies mais frequentemente tocadas.
A Nota Técnica e Portaria Conjunta acima citadas dicsciplinam inúmeras outras condutas que devem ser adotadas pelos empregadores, dentre elas, destacamos a busca ativa por casos suspeitos de contágio que deve ser realizada pelos empregadores, intensificando o monitoriamento e evitando novos contágios, conforme disciplina a Nota Técnica acima mencionada.
Como visto, quando se trata de possíveis ações atentatórias a direitos fundamentais – no caso à saúde – o judiciário nacional costuma ser rígido e implacável, rechaçando qualquer tipo de relativização da norma protetiva.
Diante do exposto, é possível observar que a responsabilidade objetiva da empresa em questão se deu principalmente pela impossibilidade de comprovação de todas as medidas de proteção perante os trabalhadores.
Assim, reiteramos a necessidade de cuidado ostensivo com a proteção no meio ambiente de trabalho, com orientações individualizadas, treinamentos e anállise de cuidados por função ou setor, entrega de máscaras e álcool em gel em quantidade suficiente além de sempre documentar todas as medidas preventivas através de assinatura de recibos e termos e armazenamento de fotos e vídeos.
Equipe da área trabalhista do CM Advogados