Ementa: O presente memorando presta-se a uma análise dos efeitos da revogação da MP nº 905, de 11 de novembro de 2019 e da situação jurídica dos atos e fatos praticados e ocorridos no lapso temporal de sua vigência.
1 Introdução
Em meados de 2019, quando inimagináveis as atuais preocupações do Governo Federal em manter empregos em meio à pandemia de coronavírus, o Sr. Presidente da República, Jair Messias Bolsonaro, e seu Ministro da Economia, Paulo Guedes, estavam empenhados na criação de novos postos de empregos. Para tanto, em 11 de novembro de 2019, foi publicada no Diário Oficial da União a Medida Provisória de nº 905, que dentre outras questões, instituía o "Contrato de Trabalho Verde e Amarelo".
Em suma, essa nova modalidade de contrato de trabalho, disciplinado no artigo 1º da aludida MP, tinha como público alvo jovens na faixa etária entre 18 a 29 anos que jamais tiveram vínculo de empego formal.
A ideia era, por meio de flexibilização às imposições jusprotetivas da Constituição Federal, CLT e legislações esparsas, incentivar o empresariado à criação de novos postos de emprego, vez que as contratações pela via "Verde e Amarelo" não admitiam a substituição de empregados, mas tão somente a ocupação de novos postos de trabalho. Além disso, buscava-se romper a barreira da ausência de experiência profissional do jovem que se candidata ao primeiro emprego.
Nada obstante, o Executivo vislumbrou nessa MP uma possibilidade de concretização de política socioeconômica, intencionando a alterações de diversas disposições da legislação laboral, sendo inclusive chamado por muitos como a "minirreforma trabalhista". A título meramente exemplificativo, cita-se a revogação do art. 21, IV, Lei 8. 213/1991, em que o acidente de trajeto não mais seria equiparado a acidente de trabalho.
2 Da Tramitação da MP nº 905, de 11 de novembro de 2019
Disciplinada no artigo 62 da Constituição Federal, As Medidas Provisórias têm força de lei e são emanadas pelo chefe do executivo (Presidente da República) em situações de relevância e urgência e, em regra, terão vigência e efeitos imediatos.
Ainda, conforme preceitua o § 3º artigo 62, o prazo de vigência de uma MP será de 60 (sessenta) dias prorrogáveis automaticamente e uma única vez por igual período.
Eis que, se a MP não for apreciada no prazo estipulado na Constituição, ou ainda, se restar rejeitada em votação na câmara dos deputados ou no senado, fica vedada a sua reedição (§ 10º do artigo 62 da Constituição Federal).
Nesse caso, conforme prevê o § 3º do artigo 62 da CF, caberia ao Congresso Nacional a edição de decreto legislativo que disciplinasse as relações havidas nesse período:
§ 3º As medidas provisórias, ressalvado o disposto nos §§ 11 e 12 perderão eficácia, desde a edição, se não forem convertidas em lei no prazo de sessenta dias, prorrogável, nos termos do § 7º, uma vez por igual período, devendo o Congresso Nacional disciplinar, por decreto legislativo, as relações jurídicas delas decorrentes (Grifamos)
A praticas nos mostra, contudo, que isso não dificilmente acontece.
No caso em tela, diante do recesso administrativo de final de ano e demais dias sem expedientes, o prazo para apreciação do MP 905/2019 era dia 20 de abril de 2020.
Os atritos entre o Sr. Presidente e a Câmara dos Deputados, principalmente com o presidente da Casa, Sr. Rodrigo Maia, atrasaram muito a tramitação da MP 905 entre os representantes do povo, fora o fato de que o texto original sofreu robustas alterações pelos deputados, restando praticamente irreconhecível o texto final enviado ao Senado.
No Senado, a análise da proposta restou designada para o último dia de vigência da MP (20/04/2020). Em sintonia, o Presidente Bolsonaro e o Senador Davi Alcolumbre, presidente da Casa, entenderam que a melhor alternativa seria a revogação da MP 905 para que não caducasse ou fosse rejeitada, o que impossibilitaria sua reedição (§10º do art. 62 da CF).
No dia 20 de abril de 2020, então, foi publicada a MP 955/2020, cujo inteiro teor dispõe apenas sobre sua imediata vigência (art. 2º) e que "Art. 1º Fica revogada a Medida Provisória nº 905, de 11 de novembro de 2019".
3 Dos Efeitos da Revogação da MP nº 905, de 11 de novembro de 2019
Precipuamente, ressalta-se que a MP 905/2019, em virtude de sua revogação, não foi rejeitada e nem caducou, sendo possível sua reedição na mesma sessão legislativa – foi justamente esse o motivo da revogação.
Revogada, porém, perde sua vigência e, conforme sobredito, fica a cargo do Congresso Nacional disciplinar, por decreto legislativo, as relações jurídicas delas decorrentes. Não se vislumbra isso acontecendo.
Inertes Câmara dos Deputados e Senado, agrava-se a sensação de insegurança jurídica que já nos é rotineira, sendo, então, tecidas diferentes teses que dispõe sobre os efeitos das relações jurídicas de trabalho advindas de Medida Provisória não mais vigente. Vejamo-las.
Amparados no princípio geral do Proteção (esforços diversos para igualar forças entre trabalhador e empregador num relação de trabalho) e da Continuidade da relação de emprego, há quem defenda que a revogação da MP 905/2019 ocasiona a transmudação dos contratos Verde e Amarelo (exceção) em contratos individuais de trabalho por prazo indeterminado (regra).
Outra [corrente minoritária] entendem pela imediata extinção dos Contratos Verde e Amarelo com a revogação do texto que o instituía, como se a relação jurídica não fosse mais válida. Assim, todos os contratos sob esse regime seriam rompidos no dia 20 de abril de 2020.
Por fim, sendo essa a corrente a que nos filiamos, a partir de uma análise plúrima do ordenamento jurídico nacional, há também o entendimento de que os contratos de trabalho firmados nos regramentos e vigência da MP 905/2019 seguirão válidos até o termo final estabelecido. A revogação do Ato do Executivo somente impede que empresas e futuros empregados pactuem novos contratos nessa modalidade (Verde e Amarelo).
Sustenta-se esse entendimento no fato de que as relações jurídicas advindas da MP 905 consubstanciam em ato jurídico perfeito [aquele já acabado segundo a lei vigente], que possui respaldo no artigo 5º, inciso XXXVI da CF e artigo 6º Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro (LINDB):
Art. 5º, XXXVI da CF – a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada;
Art. 6º da LINDB – A Lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada. (Redação dada pela Lei nº 3.238, de 1957)
Com efeito, uma lei nova não pode retroagir prejudicando ato jurídico perfeito, coisa julgada e direito adquirido.
Dessa forma, privilegia-se e faz valer os princípios da Segurança Jurídica, da Estabilidade das Relações Jurídicas e Sociais, pilares fundamentais do Estado Democrático de Direito (artigo 1º da CF).
De igual sorte, os acidentes de trajeto ocorridos durante a vigência da MP 905 não devem ser equiparados a acidentes de trabalho, passando a serem considerados acidente de trabalho novamente a partir da revogação ocorrida em 20 de abril de 2020.
4 Conclusão
Por fim, apesar das incontroversas e dos riscos de interpretações divergentes pelo Judiciário Trabalhista, por apreço a teoria geral do direito e com base no ato jurídico perfeito, entendemos que seja possível a manutenção dos Contratos Verde e Amarelo pactuados na vigência da MP 905/2019.
CM Advogados – Equipe Trabalhista