Uma das grandes mudanças da Reforma Tributária no setor sucroenergético foi a instituição de regime monofásico para tributação das operações envolvendo etanol pelo IBS e pela CBS, conforme previsão dos art. 156-A, § 6º, I, cumulado com art. 195, § 16, ambos da CF. Até então, a tributação da cadeia de etanol se dava de forma bifásica, ou seja, sobre 2 (duas) etapas: a primeira, de produção ou importação; e a segunda, de distribuição, nos termos da Lei Federal nº 9.718/1998.

No caso, o produtor ou importador estão sujeitos à alíquota ad valorem de 1,5% para PIS e de 6,9% para COFINS, incidentes sobre a receita bruta auferida na venda de álcool, ou então, pelo regime especial, à alíquota ad rem de R$ 23,38 para PIS e de R$ 107,52 para COFINS, incidentes sobre metro cúbico de álcool. Já o distribuidor está sujeito à uma alíquota ad valorem de 3,75% para PIS e de 17,25% para COFINS, ou então, pelo regime especial, à alíquota ad rem de R$ 58,45 para PIS e de R$ 268,80 para COFINS, em idênticas bases de cálculo. Com isso, as operações realizadas pelos comerciantes varejistas ficavam com as alíquotas de PIS/COFINS reduzidas a 0%, em razão do recolhimento ter sido concentrado nas etapas de produção e de distribuição do etanol. Tudo isso conforme artigo 5º, caput e §§ 1º, 4º e 4ª-A da Lei Federal nº 9.718/1998.

No entanto, esse cenário mudou a partir da produção de efeitos da Lei Complementar nº 214/2025, a primeira lei promulgada para regulamentação da Reforma Tributária do Consumo. Isso porque, seus artigos 172 a 180 dispõem sobre o regime específico do IBS e da CBS sobre as operações com combustíveis, dentre eles o etanol, prevendo expressamente que tais tributos incidirão uma única vez na cadeia de produção e comercialização dos combustíveis. Ocorre que, embora a Lei Complementar nº 214/2025 tenha como objetivo instituir o IBS, a CBS, o IS e o Comitê Gestor de IBS, esta acabou por trazer disposições relevantes sobre PIS e COFINS no período de transição, visando harmonizar o antigo e novo sistema.

No caso da tributação de PIS e de COFINS sobre a venda de combustíveis, essa transição não só antecipa algumas das alterações da Reforma Tributária, como entrou em vigor neste ano, em 01º de maio de 2025.

Em relação as principais alterações, a tributação do etanol sob o regime monofásico começa já com PIS e COFINS. Com a alteração do artigo 5º, caput e § 4º da Lei Federal nº 9.718/1998 pelo artigo 537 da Lei Complementar nº 214/2025, a tributação de PIS e de COFINS passa a incidir uma única vez, na etapa de produção ou importação do etanol. Isso fica mais evidente quando a Lei Complementar nº 214/2025 acrescenta o inciso IV ao artigo 5º, § 1º da Lei Federal nº 9.718/1998 para reduzir a 0% a alíquota de PIS e de COFINS sobre a venda realizada por distribuidor, especificamente sobre etanol combustível.

Assim, por consequência, com a concentração da tributação sobre toda a cadeia na etapa de produção ou importação do etanol, as operações de venda realizadas pelo produtor ou pelo importador de etanol passam a ser sujeitas às alíquotas ad valorem de 5,25% para PIS e de 24,15% para COFINS, ou então, pelo regime especial, à alíquota ad rem de R$ 34,33 para PIS e de R$ 157,87 por metro cúbico de etanol combustível, conforme redação do art. 5º, caput e § 4º da Lei Federal nº 9.718/1998 dada pela Lei Complementar nº 214/2025. Portanto, o regime especial é mais vantajoso quando o metro cúbico do combustível está acima de aprox. R$ 653,80.

Apesar disso, embora a Lei Complementar nº 214/2025 institua um regime monofásico para PIS e COFINS incidentes sobre as operações com combustíveis como um todo, o mesmo não se pode dizer sobre a legislação tributária do ICMS. Isso porque, até o presente momento, há previsão de regime monofásico para ICMS apenas sobre operações com gasolina, etanol anidro combustível, diesel, biodiesel e GLP, nos termos da Lei Complementar nº 192/2022 e dos Convênios ICMS nº 199/2022 e 11/2023. Portanto, o que era uma medida para simplificar pode se tornar uma complexidade adicional para usinas, pois enquanto o etanol anidro está abarcado pelo regime monofásico tanto por PIS/COFINS quanto por ICMS, o etanol hidratado se sujeita à incidência única apenas de PIS/COFINS.

Alguns pontos, além desses, merecem atenção.

Sobre a abrangência do regime especial (álcool x etanol): conforme exposto, a Lei Federal nº 9.718/1998 traz um regime especial para apuração de PIS e de COFINS por meio de alíquotas ad rem, as quais costumam ser mais vantajosas do que as alíquotas ad valorem. Também do que se constata, a lei menciona genericamente o “álcool”, não especificando o álcool etílico (etanol), além de não exigir determinada utilização, podendo ou não ser “para fins carburantes”. Nesse sentido, percebe-se que as alterações veiculadas pela Lei Complementar nº 214/2025 tiveram como objetivo restringir o alcance de tais alíquotas ad rem, mais vantajosas, apenas às operações com etanol combustível.

Prova disso é que artigo 5º, caput da Lei Federal nº 9.718/1998 teve sua redação alterada para prever que as alíquotas ad valorem de PIS/COFINS, menos vantajosas, se aplicam sobre a receita bruta auferida nas operações com etanol, inclusive para fins carburantes. Ao mesmo tempo, seu § 4º teve a redação alterada para prever que as alíquotas ad rem de PIS/COFINS, mais vantajosas, se aplicam ao metro cúbico de etanol combustível, nada dispondo sobre o álcool ou etanol sem fins carburantes.

Ao mesmo tempo, e de forma mais marcante, o artigo 5º, § 4º da Lei Federal nº 9.718/1998 teve sua redação acrescida pelo recém-introduzido inciso IV, o qual prevê a redução da alíquota de PIS/COFINS à 0% aos distribuidores, apenas no caso de venda de etanol combustível, excluindo outras espécies de álcool ou etanol sem fim carburante. Portanto, estariam excluídos metanol combustível ou o etanol para farmacêuticas.

Em relação a abrangência do critério material de PIS/COFINS (fato gerador - venda x operações): outro ponto que chama à atenção é a alteração do artigo 5º, caput da Lei Federal nº 9.718/1998 quanto à incidência de PIS/COFINS. Se antes o fato gerador/base de cálculo era a “receita bruta auferida na venda de álcool”, com a Lei Complementar nº 214/2025 esta passou a ser a “receita bruta auferida nas operações com etanol”.

A alteração parece refletir a inserção do inciso V ao art. 195 da CF pela Emenda Constitucional da Reforma Tributária, a qual permitiu a instituição de contribuição social sobre bens e serviços, nos termos da lei complementar. Embora esse inciso se voltasse inicialmente à instituição da CBS, acabou por fundamentar a instituição de PIS/COFINS sobre quaisquer operações onerosas envolvendo etanol, e não apenas as suas vendas.

Portanto, com a recente alteração da Lei Federal nº 7.918/1998, as contribuições sociais do PIS e da COFINS passaram a incidir não mais apenas sobre a venda de álcool, como também à troca ou permuta, dação em pagamento, demais espécies de alienação; mútuo oneroso; doação com contraprestação em benefício do doador; doação com contraprestação em benefício do doador, entre outras situações, aplicando-se por analogia o artigo 4º, §§ 1º e § 2º da Lei Complementar nº 214/2025.

Todas essas alterações entraram em vigor em 01º de março de 2025, nos termos dos artigos 537, 540 e e 544, inciso I da Lei Complementar nº 214/2025, os quais tratam das alterações à Lei Federal nº 7.918/1998, ora relatadas.

Apesar dessas considerações, a Reforma Tributária trará vantagem competitiva ao etanol e a outros biocombustíveis. Isso porque, tanto o artigo 225, § 1º, inciso VIII da Constituição Federal, inserido pela Emenda Constitucional nº 132/2023, quanto o seu respectivo artigo 17 da Lei Complementar nº 214/2025 asseguram aos biocombustíveis e ao hidrogênio de baixa emissão de carbono tributação menor que a dos combustíveis fósseis, entre 40% e 90% das alíquotas aplicáveis aos combustíveis derivados de petróleo. Isso significa, também, a não-incidência do IS sobre os biocombustíveis, como o etanol, em significativa vantagem sobre a gasolina ou o diesel.