Indisponibilidade de bens e a tutela da privacidade (LGPD)
Por Rachel Leticia Curcio Ximenes e Cíntia Rosa Pereira de Lima
Artigo destacado na publicação
LGPD – Lei Geral de Proteção de Dados – Lei 13.709/1 do Grupo de Apoio ao Direito Privado da Seção de Direito
Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo (Gapri).
Alguns detalhes devem ser ajustados para que o Sistema de Registro
Eletrônico de Imóveis (SREI), que será implementado e operado pelo ONR, esteja em consonância com a
LGPD.
A partir da lei 13.465, de 7 de junho de 2017, pretende-se oferecer uma resposta ao clamor pela
eficiência e maior segurança dos serviços de registros e notas, notadamente quanto aos procedimentos da Reurb.
Assim, o art. 76 da lei 13.465 cria o Sistema de Registro Eletrônico de Imóveis (SREI), que será implementado e
operado, em âmbito nacional, pelo Operador Nacional do Sistema de Registro Eletrônico de Imóveis (ONR).
É certo
que os serviços extrajudiciais de notas e de registros devem observar os princípios elencados na legislação
específica, com destaque para os princípios da segurança e eficácia, mencionados tanto no art. 1º da Lei de
Registros Públicos, quanto no art. 1º da lei 8.935, de 18 de novembro de 1994.1
No entanto, a LGPD menciona
expressamente nos §4º e §5º do art. 23 sua incidência nos serviços notariais e de registro. A LGPD, por sua vez,
traz como princípios para a proteção de dados pessoais, além da boa-fé objetiva: a finalidade, adequação,
necessidade, livre acesso, qualidade dos dados, transparência, segurança, prevenção, não discriminação,
responsabilização e prestação de contas (art. 6º).2
A nosso ver, os três primeiros princípios (finalidade,
adequação e necessidade) são já respeitados pelos serviços extrajudiciais de notas e de registros, na medida em que
a prudência do Registrador e do Notário impõe a estrita observância dos preceitos legais (princípio da legalidade)3.
Quanto ao princípio do livre acesso, discussão para uma outra oportunidade, não pode ser confundido com a certidão
prevista no art. 17 da Lei de Registros Públicos, pois esta é revestida de fé pública e é realizada mediante o
pagamento dos emolumentos (como previsto inclusive no item 143 do Cap. XIII das Normas de Serviços Extrajudiciais da
Corregedoria Geral de Justiça do TJ/SP).4 Todavia, o titular de dados tem direito de obter informações sobre o fluxo
de suas informações pessoais de maneira facilitada e gratuita (itens 141 e 142 do Cap. XIII das Normas de Serviços
Extrajudiciais da Corregedoria Geral de Justiça do TJ/SP). Quanto à qualidade dos dados, não se pode utilizar tal
princípio a fim de burlar o sistema de retificação do registro que foi estruturado para manter a higidez do sistema
registral, destacado no item 146 do Cap. XIII das Normas de Serviços Extrajudiciais da Corregedoria Geral de Justiça
do TJ/SP. Os princípios da transparência, da segurança, da prevenção e da não discriminação são inerentes à
atividade notarial e registral por sua própria natureza. Por fim, o princípio da responsabilização e prestação de
contas impõe ao Registrador e ao Notário demonstrarem a adoção de medidas eficazes e capazes de comprovar o
cumprimento da LGPD.
Neste sentido, deve-se conciliar os princípios previstos na LGPD com os princípios
assegurados na Lei de Registros Públicos e os previstos na Lei dos Notários e Registradores, bem como outros em
legislação específica e nas normas de serviços extrajudiciais das Corregedorias de Justiça dos Tribunais de Justiça.
O que nos parece não haver nenhum óbice, observadas as peculiaridades dos serviços extrajudiciais.
Um aspecto
importante é que os serviços extrajudiciais de notas e de registros foram equiparados ao Poder Público, consoante o
capítulo IV da LGPD que disciplina algumas regras específicas sobre o tratamento de dados realizados pelas pessoas
jurídicas de direito público.
É cediço que os cartórios não têm personalidade jurídica, pois o titular da
delegação exerce pessoalmente as atribuições legais, constituindo uma delegação sui generis.5 Contudo, os serviços
de notas e de registros foram equiparados ao Poder Público para fins de aplicação da LGPD. Portanto, qualquer
tratamento de dados realizado deve atender “sua finalidade pública, na persecução do interesse público, com o
objetivo de executar as competências legais ou cumprir as atribuições legais do serviço público” (caput do
art. 23 da LGPD).
Assim, inquestionável a finalidade pública e o interesse público do Sistema de Registro
Eletrônico de Imóveis (SREI). No entanto, tais atividades envolvem um intenso compartilhamento de dados pessoais
entre as serventias extrajudiciais e o Operador Nacional do Sistema de Registro Eletrônico de Imóveis (ONR), que
será organizado como pessoa jurídica de direito privado, sem fins lucrativos nos termos do § 2º do art. 76 da lei
13.465/17. Note-se, porém, que o § 1º do art. 26 da LGPD proíbe o compartilhamento de dados pessoais pelo Poder
Público com entidades privadas a menos que seja respaldado em contratos, convênios ou instrumentos congêneres que
deverão ser comunicados à Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) conforme disposto no §2º do art. 26 da
LGPD.
Em suma, alguns detalhes devem ser ajustados para que o Sistema de Registro Eletrônico de Imóveis (SREI),
que será implementado e operado pelo ONR, esteja em consonância com a LGPD.
1 CENEVIVA, Walter. Lei dos Registros Públicos Comentada. 20ª ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 55. CENEVIVA, Walter.
Lei dos Notários e dos Registradores Comentada. 8ª. Ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 40.
2 Cf. LIMA, Cíntia
Rosa Pereira de. Autoridade Nacional de Proteção de Dados e a Efetividade da Lei Geral de Proteção de Dados. São
Paulo: Almedina, 2020. pp. 168 – 209.
3 Sobre Prudência Notarial vide DIP, Ricardo. Prudência Notarial.
São Paulo: Quinta Editorial, 2012.
4 Cf. SILVA, José Marcelo Tossi. O provimento 23/2020 da Corregedoria Geral
da Justiça do Estado de São Paulo: a LGPD e os serviços extrajudiciais de notas e de registro Disponível em: clique
aqui, acesso em 22 de setembro de 2021.
5 Ribeiro, Luís Paulo Aliende. Regulação da função pública notarial e
de registro. São Paulo, Saraiva. 2009
Pedimos a gentileza de observar que este conteúdo pode, sim, ser
compartilhado na íntegra. Todavia, deve ser citado o link:
https://www.migalhas.com.br/depeso/352186/indisponibilidade-de-bens-e-a-tutela-da-privacidade-lgpd
Anexo 1: Informativo Completo