A legislação tributária, notadamente complexa e cheia de imperfeições, é alvo de reiteradas disputas entre contribuintes e fiscalização tributária, em especial no âmbito do Imposto sobre Operação de Circulação de Mercadorias (ICMS), haja vista a atribuição de competência tributária às 27 (vinte e sete) unidades federativas (Estados e Distrito Federal) para estabelecer regras sobre esse tributo.
Um dos pontos que, há algum tempo, tem ensejado disputas homéricas está relacionado com a identificação do Estado-membro da Federação que participará da relação jurídica quando se tratar de importação de mercadorias.
O questionamento, como não seria diferente, foi levado reiteradas vezes à apreciação dos Tribunais deste País, inclusive do Supremo Tribunal Federal, e, perante essa Corte, adotou-se a compreensão de que o local do ingresso físico da mercadoria importada do exterior não poderia ser suficiente à identificação do Estado participante do citado vínculo tributário.
Com isso, diversos planejamentos tributários efetivados por contribuintes, mediante deslocamento de seus estabelecimentos importadores para Estados da Federação concessores de benefícios fiscais na importação, foram discutidos nos âmbitos administrativo e judicial, reafirmando as autuações que eram lavradas aos montes pelos Estados que se sentiam economicamente prejudicados – porque o efetivo destinatário das mercadorias estava domiciliado dentro de seu perímetro territorial, em que pese o desembaraço da mercadoria ter sido efetivado em localidade diversa.
À vista dessa interpretação, chegou-se ao Supremo Tribunal Federal a discussão envolvendo operação de importação de matéria-prima que, apesar de ser industrializada em determinado Estado Federativo (no caso, em Minas Gerais), é desembaraçada em outro (em São Paulo, no caso), sendo nesse a localização do destinatário do produto industrializado e que, posteriormente, irá comercializá-la.
Trata-se do Recurso Extraordinário nº 665.134 com Agravo, originado do Estado de Minas Gerais, admitido com Repercussão Geral (Tema nº 520), cujo julgamento pelo Plenário do Tribunal finalizou-se na data de 27/04/2020, oportunidade na qual restou reafirmado o entendimento já consagrado em outras decisões, com efeito vinculativo para todo o Poder Judiciário.
Esclareceu o Supremo Tribunal Federal que, em se tratando de operação de importação de mercadorias desembaraçadas em certo Estado Federativo – no qual está domiciliado ou estabelecido o efetivo destinatário do bem, assim entendido aquele "que deu causa à circulação da mercadoria, com transferência de domínio" –, o critério da entrada física, estabelecido no artigo 11, inciso I, alínea "d", da Lei Complementar Federal nº 87/1996 não é absoluto, nem suficiente à identificação do sujeito ativo do vínculo de natureza tributária.
Deve, pois, ceder passo à verificação do real destinatário da mercadoria, pois, segundo registrado pelo Plenário do Tribunal, é perfeitamente legal a realização de "circulação ficta de mercadoria emanada de uma operação documental ou simbólica, desde que haja efetivo negócio jurídico".
Portanto, reafirmando seu entendimento, o Tribunal, à unanimidade, negou provimento ao Recurso Extraordinário e estabeleceu a seguinte tese: "o sujeito ativo da obrigação tributária de ICMS incidente sobre mercadoria importada é o Estado-membro no qual está domiciliado ou estabelecido o destinatário legal da operação que deu causa à circulação da mercadoria, com a transferência de domínio", declarando a inconstitucionalidade parcial, sem redução de texto, do art. 11, I, "d", da Lei Complementar federal 87/1996.
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