Por Giordano Joele Alves de Moraes

A reformulação do Ensino Médio tem se destacado como um dos principais assuntos em debate no cenário educacional brasileiro. Recentemente, o tema ganhou ainda maior notoriedade em razão da aprovação, pela Câmara dos Deputados, do PL 5.230/23, apresentado pelo Poder Executivo com o objetivo de revisar o chamado "Novo Ensino Médio", instituído em 2017 através da lei 13.415/17, durante a gestão Michel Temer. 

Uma das mais significativas mudanças propostas no PL diz respeito à carga horária das disciplinas obrigatórias. Enquanto o modelo atual, cuja implementação foi suspensa pelo Ministério da Educação em abril de 2023, reduz a carga horária para 1.800 horas, o PL propõe a reintrodução de 2.400 horas para as disciplinas obrigatórias, reservando 600 horas para a parte flexível e diversificada do currículo.1 Para aqueles que optarem pela formação técnica e profissional, o projeto estipula carga horária mínima da formação geral básica em 2.100 horas, admitindo que até 300 horas sejam destinadas ao aprofundamento de conteúdos relacionados ao campo profissional escolhido.

Outro ponto importante abordado pelo PL trata da definição dos itinerários formativos no Ensino Médio. Enquanto o modelo anterior permitia que os alunos escolhessem uma área de aprofundamento em adição às duas únicas disciplinas obrigatórias (português e matemática), o PL propõe uma redefinição desses itinerários, alargando o rol de disciplinas obrigatórias e exigindo que os sistemas de ensino assegurem que todas as escolas ofereçam o aprofundamento integral de todas as áreas de conhecimento, organizadas em, no mínimo, dois itinerários informativos com ênfases distintas.

Além das mudanças na carga horária e nos itinerários formativos, o PL 5230/23 também aborda a oferta de língua espanhola no currículo do Ensino Médio e, em contraponto ao modelo anterior, que permitia a oferta de disciplinas na modalidade à distância, propõe a restrição dessa possibilidade, permitindo aulas online apenas em situações excepcionais definidas pelo Ministério da Educação e pelo Conselho Nacional de Educação. 

No entanto, as propostas contidas no PL enviado pelo Executivo não foram recebidas sem críticas e questionamentos. As principais divergências concentram-se na extensão da Formação Geral Básica e dos Itinerários Formativos. Estudiosos discordam da dimensão que deve ser conferida às partes obrigatória e flexível do currículo, levantando questões sobre a proporção ideal entre esses elementos para uma formação educacional completa e adequada às necessidades dos estudantes.

Além disso, aponta-se para a complexidade e para os desafios de implementação das mudanças, especialmente considerando o cenário atual da educação brasileira, marcado por desigualdades regionais, falta de recursos e infraestrutura inadequada em muitas escolas. Há, ainda, preocupações em relação à formação dos professores, à adequação dos materiais didáticos e ao impacto dessas mudanças na qualidade do ensino. Sob outra perspectiva, contudo, estudiosos afirmam que as alterações visam garantir uma formação mais sólida e abrangente para os estudantes, preparando-os melhor para o ingresso no ensino superior e no mercado de trabalho, e têm como objetivo propiciar uma formação mais ampla e multidisciplinar, apta a capacitar os estudantes para lidar com os desafios complexos da sociedade contemporânea.

Durante a tramitação legislativa do projeto perante a Câmara dos Deputados, o relator, deputado Mendonça Filho, após intensos debates com parlamentares e atores governistas, elaborou uma Emenda Substitutiva que, visando a construção de um acordo para a aprovação da proposição, manteve no texto pontos que o Governo Federal tinha como imprescindíveis.

Dentre eles, cabe destacar a manutenção da carga horária mínima de 2.400 horas para a formação geral básica e 600 horas para a parte flexível curricular e a retirada do dispositivo que autorizava a contratação de profissionais com notório saber para ministrar conteúdos de áreas afins à sua formação ou experiência profissional. De outro lado, porém, o Parecer retirou a obrigatoriedade do ensino de língua espanhola, indo de encontro à redação original do projeto enviado pelo Governo Federal ao Congresso Nacional, que incluía a disciplina no rol de matérias obrigatórias da BNCC - Base Nacional Comum Curricular.

Foi nesse cenário, portanto, que, em 20 de março de 2024, o plenário da Câmara dos Deputados aprovou o PL nos termos do Parecer apresentado pelo deputado relator, de modo que a proposição aguarda, no momento, a remessa ao Senado Federal para a competente apreciação e deliberação. Se aprovado, o PL será remetido à Presidência da República, que terá 15 (quinze) dias para sancionar ou vetar - total ou parcialmente - a proposição. Caso o Senado promova alterações no texto aprovado pela Câmara, o projeto retornará àquela casa para que as mudanças sejam deliberadas, sendo, somente então, encaminhado à sanção.

É importante destacar, nesse contexto, que o Substitutivo aprovado na Câmara, embora tenha sido produzido com o objetivo de alcançar alguma espécie de consenso entre os parlamentares governistas e de oposição, segue sendo objeto de críticas e elogios por parte de diferentes atores envolvidos no debate educacional. Enquanto alguns especialistas e entidades defendem as mudanças propostas como necessárias e positivas para a melhoria da qualidade do ensino, outros apontam para os desafios de implementação e para os possíveis impactos negativos, especialmente para as escolas e regiões mais vulneráveis.

Uma das críticas mais frequentes está relacionada à falta de diálogo e consulta ampla com os profissionais da educação, as escolas, os estudantes e as famílias. Muitos argumentam que a elaboração de políticas educacionais deve ser um processo verdadeiramente participativo e plenamente democrático, que leve em consideração as diferentes realidades e necessidades das comunidades escolares. De outro lado, entretanto, a manutenção, ainda que parcial, da flexibilidade implementada em 2017 foi celebrada por diversos outros atores e especialistas do assunto.

Outro ponto de recorrente preocupação reside na questão do financiamento, especialmente diante das mudanças propostas que podem, ao menos potencialmente, demandar investimentos adicionais em infraestrutura, formação de professores, materiais didáticos e recursos tecnológicos. Sem um adequado financiamento e planejamento, corre-se o risco de agravar as desigualdades educacionais já existentes, em avilte ao § 1º, do artigo 211, da CRFB/88, que impõe o dever de equalização das oportunidades educacionais.

Além disso, a formação dos professores para lidar com as novas diretrizes e metodologias propostas no Ensino Médio reformulado vêm causando contundentes apreensões. Isso porque a capacitação docente é fundamental para o sucesso de qualquer reforma educacional, sendo necessário garantir que os professores tenham acesso à formação continuada de qualidade e apoio adequado para implementar as mudanças de forma eficaz.

Outro ponto que vem se revelando especialmente sensível refere-se à avaliação e ao accountability do novo modelo de Ensino Médio. Como garantir que as mudanças futuramente implementadas estejam realmente contribuindo para a melhoria da aprendizagem e para o desenvolvimento dos estudantes? Como medir e monitorar o impacto das políticas educacionais e garantir a prestação de contas por parte das instituições e dos gestores públicos?

Nesse sentido, a reformulação do Ensino Médio no Brasil deve ser encarada como um desafio complexo e multidimensional, que envolve não apenas mudanças na estrutura curricular e pedagógica, mas também investimentos em infraestrutura, formação de professores, efetiva participação e diálogo com a comunidade escolar, avaliação e monitoramento dos resultados, e garantia de financiamento adequado e sustentável.

Diante desse cenário, sobretudo tendo em vista que a proposição ainda será objeto de discussão e votação perante o Senado, na qualidade de casa parlamentar revisora, é fundamental que o debate sobre a reformulação do Ensino Médio fique pautado por uma análise criteriosa e atenta a todas as partes envolvidas. Para que a melhor proposta seja aprovada e, enfim, implementada, é preciso, desde logo, buscar o equilíbrio entre a necessidade de se promover mudanças que melhorem a qualidade da educação e o dever de inclusão, equidade e respeito às diversidades regionais e culturais do país.

Revela-se imprescindível, assim, que o debate sobre a reforma do Ensino Médio seja pautado pelo diálogo democrático e pela construção coletiva de soluções que atendam às necessidades e às aspirações de todos os envolvidos no processo educacional. Afinal, a educação é, por disposição expressa da Constituição Federal, um direito social e um pilar essencial para o desenvolvimento humano e social, diretamente ligada à dignidade da pessoa humana, sendo responsabilidade de todos garantir que ela seja de qualidade, inclusiva e equitativa para todos os brasileiros.

---------------------------

1 Hoje, as 1.200 horas restantes - dentre as 3.000 horas mínimas - são destinadas aos itinerários formativos em áreas como matemática, linguagens, ciências da natureza e ciências humanas.

Publicado no Migalhas.