Do regime emergencial e transitório estabelecido pelo Legislativo no período de pandemia e os seus impactos no Direito das Sucessões
Na última sexta-feira, 3 de abril de 2020, o Senado Federal aprovou o Projeto de Lei 1.179, responsável por flexibilizar algumas relações jurídicas de Direito Privado em razão do período de pandemia provocado pelo coronavírus – covid-19.
O regime emergencial e transitório estabelecido pelo referido Projeto de Lei, que é de autoria do Senador Antonio Anastasia (MG), segue agora para aprovação na Câmara dos Deputados.
O projeto busca atenuar os impactos sociais e econômicos do atual cenário, criando regras transitórias que, inclusive, permitem a suspensão temporária de algumas exigências legais.
Para o Direito das Sucessões é importante observar o quanto previsto no artigo 19, parágrafo único, do referido Projeto, que regulamenta o prazo para a abertura dos inventários. A regra do Código Civil é pela abertura dentro do prazo de 60 (sessenta) dias contados a partir do óbito.
Já a nova disposição estabelece que, para as sucessões abertas a partir de 1º de fevereiro de 2020, o termo inicial deve se dar somente em 30 de outubro de 2020.
No mais, também para os casos de abertura de sucessão antes de 1º de fevereiro, o prazo de 12 (doze) meses para a conclusão dos inventários ficará suspenso até 30 de outubro de 2020.
De fato, a extensão do prazo de abertura e de conclusão de inventários e partilhas parece ser a medida mais acertada no momento, especialmente porque se trata de processos de grande complexidade e que, à margem de dúvidas, sempre acabam por gerar certo desgaste e sofrimento aos familiares do falecido, acentuados ainda mais nestes tempos tão tristes.
A flexibilização destes prazos vai ao encontro, pois, das medidas emergenciais que vem sendo tomadas pelas autoridades públicas com o intuído de combater e minimizar os efeitos da situação instaurada por esta assustadora pandemia que acomete o Brasil e o mundo.
No entanto, é importante observar que algumas outras disposições referentes ao Direito das Sucessões poderiam ter sido acrescidas ao referido Projeto de Lei, dentro do mesmo espírito e pelos mesmos motivos inclusive.
É o caso das formalidades testamentárias, que, certamente, se tornam ainda mais complexas de serem cumpridas na situação presente.
Sobre esse tema, cumpre-nos recordar que o Código Civil atual prevê três modalidades de testamentos ordinários distintos. O testamento público, o cerrado e o particular.
Para os dois primeiros, a legislação civil exige a presença de duas testemunhas e do tabelião, e para o último a leitura pelo testador do quanto ajustado na presença de três testemunhas.
No entanto, em tempos de isolamento social, tais exigências se tornam cada vez mais delicadas. Seu cumprimento, é bom que se diga, exporia todos a um risco nada desprezível.
Importante registrar, também, que a modalidade de testamento de emergência é mais uma alternativa para a situação, embora a exiquibilidade e a segurança jurídica ofereçam um obstáculo para sua utilização. Trata-se do instrumento disciplinado pelo artigo 1.879 do Código Civil como aquele em que em "circunstâncias excepcionais declaradas na cédula, o testamento particular de próprio punho e assinado pelo testador, sem testemunhas, poderá ser confirmado a critério do juiz".
O fato é que tudo isso poderia ter sido evitado se o tema "Testamentos" fizesse parte do Projeto Lei 1179/20 ora em exame.
Diante dos meios altamente tecnológicos nos quais estamos todos inseridos, o aludido Projeto poderia ter tratado da possibilidade de testamentos através de gravação de imagem e voz do testador, sem a necessidade da presença física de um tabelião, este último podendo realizar seu mister de fé pública de forma remota, por meio de sistema de videoconferência ou por outro recurso tecnológico de transmissão de sons e imagens, a exemplo do que já ocorre nas audiências e em outros atos processuais, nos termos da Lei n. 11.900/2009. Tal providência garantiria o exercício de um direito muito importante, em especial neste momento.
Para que não se peque por omissão, é importante mencionar o Projeto de Lei 3.799/2019, de autoria da Senadora Soraya Thronicke (PSL/MS). Em trâmite no Senado Federal, este projeto propõe alterações nestas exatas regras.
Medidas como essas teriam grande valia se tivessem sido inseridas no Projeto de Lei 1.179/2020. Coerentes e muito razoáveis, dariam uma resposta conveniente, adequada e com a urgência que o momento vivido exige.
Embora tenha havido uma preocupação – diga-se de passagem louvável – por parte do órgão legislativo, algumas questões fundamentais deixaram de ser apreciadas no campo do direito das sucessões, gerando imensa preocupação por parte dos brasileiros que atravessam este período de insegurança e instabilidade em suas relações jurídicas e/ou sociais.
Que os desafios lançados à Sociedade possam ser enfrentados com a criatividade e rapidez necessárias.
Os notários e registradores tem um importante papel a cumprir.
Nos dias de hoje e sempre…
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*Marco Aurélio de Carvalho, Tiago de Lima Almeida, Gabriela Maíra Patrezzi Diana, Fernanda Lopes Martins e Rachel Ximenes são advogados, integrantes da banca Celso Cordeiro & Marco Aurélio de Carvalho Advogados.
Artigo publicado originalmente no Migalhas.