Do reconhecimento da paternidade como marco inicial da prescrição vintenária para o ingresso da ação anulatória de doação inoficiosa
Por Rachel Leticia Curcio Ximenes e Karine Maria Famer Rocha Boselli
No dia 23 de fevereiro de 2021, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça reconheceu que o prazo prescricional, para requerer a anulação de doação inoficiosa, começa a correr a partir do reconhecimento da paternidade.
Cabe lembrar que a doação inoficiosa, nos termos do art. 549, do Código Civil, é aquela que excede a parte que o doador poderia dispor em testamento, prejudicando a legítima, isto é, a quota da herança pertencente aos herdeiros necessários (descendentes, ascendentes e cônjuge).
Em regra, aquele que se viu prejudicado pela doação inoficiosa possui o prazo de 20 (vinte) anos, contados a partir do ato jurídico que se pretende anular, para ajuizar a ação de nulidade. Vejamos o julgado do Superior Tribunal de Justiça in verbis:
CIVIL E PROCESSO CIVIL. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. AÇÃO ANULATÓRIA DE DOAÇÃO INOFICIOSA. DOAÇÃO INOFICIOSA. NULIDADE. PRESCRIÇÃO. TERMO INICIAL. REGISTRO DO ATO. PRECEDENTES.
1. Ação anulatória de doação inoficiosa.
2. Esta Corte Superior de Justiça, com a ressalva do meu posicionamento, firmou entendimento no sentido de que, no caso de ação de nulidade de doação inoficiosa, o prazo prescricional é vintenário e conta-se a partir do registro do ato jurídico que se pretende anular. Precedentes.
3. Agravo interno no recurso especial não provido. (AgInt no Resp nº 1810727/SP, 3ª Turma/STJ, Ministra Relatora NANCY ANDRIGHI, j. 20/04/2020, grifos nossos).
Podem existir situações, contudo, em que o herdeiro prejudicado por doação inoficiosa ainda não era reconhecido pelo autor da herança no momento do ato danoso. Este foi o caso concreto recentemente julgado pelo Superior Tribunal de Justiça no qualo reconhecimento da paternidade foi post mortem. Vejamos:
RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL. SUCESSÕES. AÇÃO DE NULIDADE DE DOAÇÃO INOFICIOSA E PARTILHA DE BENS, CUMULADA COM PETIÇÃO DE HERANÇA. FILIAÇÃO RECONHECIDA E DECLARADA APÓS A MORTE DO AUTOR DA HERANÇA. PRAZO PRESCRICIONAL. TERMO INICIAL. TEORIA DA ‘ACTIO NATA’ EM SEU VIÉS SUBJETIVO. DATA DO TRÂNSITO EM JULGADO DA AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE.
1. Controvérsia acerca da definição do termo inicial do prazo para o ajuizamento da ação de redução inoficiosa por herdeiro necessário cuja filiação foi reconhecida apenas após a morte do “de cujus”.
2. Nas hipóteses de reconhecimento “post mortem” da paternidade, o prazo para o herdeiro preterido buscar a nulidade da partilha e reivindicar a sua parte na herança só se inicia a partir do trânsito em julgado da sentença proferida na ação de investigação de paternidade, quando resta confirmada a sua condição de herdeiro. Precedentes específicos desta Terceira do STJ.
3. Aplicação excepcional da teoria da “actio nata” em seu viés subjetivo, segundo a qual, antes do conhecimento da violação ou lesão ao direito subjetivo pelo seu titular, não se pode considerar iniciado o cômputo do prazo prescricional.
4. Plena aplicabilidade desta orientação às pretensões de anulação de doação inoficiosa proposta por herdeiro necessário cuja filiação ainda não era reconhecida ao tempo da liberalidade.
5. Tempestividade do ajuizamento da ação de petição de herança em 26/08/2010, ou seja, quando ainda não havia transcorrido o prazo prescricional vintenário do art. 177 do Código Civil de 1916, ordinariamente aplicado a esta pretensão, contado da data da abertura da sucessão, em 22/07/2002, ou do art. 205 do Código Civil de 2002, na forma do seu art. 2028.
6. Direito da autora de ver conferido o valor das doações recebidas pelos seus irmãos que permanece hígido, ainda que se considere prescrita a pretensão de anulação da doação impugnada, uma vez que a colação constitui dever legal imposto ao descendente donatário que se protrai para o momento da abertura da sucessão, nos termos do art. 1.786 e seguintes do Código Civil.
7. Fundamento autônomo apto a manter as conclusões do acórdão recorrido.
8. RECURSO ESPECIAL DESPROVIDO. (Resp nº 1.605.483/MG, 3ª Turma/STJ, Ministro Relator PAULO DE TARSO SANSEVERINO, j. 23/02/2021, grifos nossos)
A filha reconhecida, após a morte do pai, ajuizou, em face dos demais herdeiros, a Ação de Nulidade de Doação Inoficiosa e Partilha de bens cumulada com Petição de Herança. A demanda foi julgada procedente em primeiro e segundo grau. Os réus, assim, interpuseram Recurso Especial alegando, em suas razões recursais, a ocorrência da prescrição vintenária para a propositura da Ação Anulatória de Doação Inoficiosa.
De fato, a doação ocorreu em 1987, ou seja, há mais de 20 anos do ajuizamento da ação em tela. No entanto, à época, a autora ainda não tinha a legitimidade para ingressar com a demanda, posto que só teve a paternidade reconhecida no ano de 2010.
Nas palavras do Ministro Relator Paulo de Tarso Sanseverino:
(…) a legitimidade do herdeiro prejudicado, seja para reclamar direitos hereditários pelo falecimento do seu pai, seja para postular a anulação da doação realizada por este em vida apenas aos filhos havidos do casamento, somente foi adquirida quando efetivamente reconhecida a sua parentalidade. (Resp nº 1.605.483/MG, 3ª Turma/STJ, j. 23/02/2021).
Frente à peculiaridade do caso, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça houve por bem reconhecer que o marco inicial da contagem de prescrição para o ajuizamento da Ação Anulatória de Doação Inoficiosa é a data em que foi declarada a paternidade e não a data de registro da escritura de doação.
Entende-se, portanto, que o reconhecimento da paternidade é o instituto essencial para que o interessado possa reclamar seus direitos em relação a uma doação inoficiosa.
Tendo isso em vista, salienta-se que, atualmente, reconhecer a paternidade se tornou bem mais simples, pois é possível realizar tal procedimento pela via extrajudicial, quando o reconhecimento é voluntário.
O Provimento nº 16, editado aos 17 de fevereiro de 2012, pelo Conselho Nacional de Justiça, permite que o reconhecimento da filiação possa ser realizado diretamente perante os Oficiais de Registro Civil das Pessoas Naturais, desde que haja manifestação de vontade para o reconhecimento, assim como concordância do filho reconhecido maior ou do outro genitor em caso de filhos menores.
A manifestação de vontade do reconhecedor, vale mencionar, pode ser colhida pelo oficial de registro, utilizando-se de modelo padronizado em referido Provimento, ou formalizada nos termos do art. 1.609 do Código Civil, devendo a documentação hábil ser anexada ao procedimento de reconhecimento de filiação.
O reconhecimento pode ocorrer no momento do registro de nascimento, por meio da perfilhação, ou posteriormente, inclusive caso o reconhecedor já tenha falecido, mas o tenha manifestado em documento escrito.
Ademais, o procedimento de reconhecimento pode ser instaurado perante serventia registral diversa daquela em que lavrado o assento de nascimento do reconhecido. Aqui, como medida facilitadora, o procedimento poderá ser remetido, por meio da plataforma eletrônica estabelecida pelo Provimento n.º 46/2015, do Conselho Nacional de Justiça, denominada Central de Informações do Registro Civil das Pessoas Naturais – CRC, ao Oficial da serventia em que lavrado o assento de nascimento para que realize a qualificação registral da documentação apresentada e, proceda, em caso de qualificação positiva, à averbação do reconhecimento da filiação no respectivo assento.
Nos termos do art. 7º do Provimento n.º 16/2012, a averbação do reconhecimento de filho é concretizada independentemente de manifestação do Ministério Público ou decisão judicial.
Diante deste cenário, caso o filho queira impugnar uma doação inoficiosa feita pelo pai antes do reconhecimento da paternidade, para comprovar a tempestividade da ação, bastará a apresentação da certidão de nascimento em inteiro teor, com a averbação da paternidade, considerando que o prazo prescricional passa a correr somente a partir do reconhecimento paterno, com fulcro na citada jurisprudência do STJ.
No dia 23 de fevereiro de 2021, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça reconheceu que o prazo prescricional, para requerer a anulação de doação inoficiosa, começa a correr a partir do reconhecimento da paternidade.
Cabe lembrar que a doação inoficiosa, nos termos do art. 549, do Código Civil, é aquela que excede a parte que o doador poderia dispor em testamento, prejudicando a legítima, isto é, a quota da herança pertencente aos herdeiros necessários (descendentes, ascendentes e cônjuge).
Em regra, aquele que se viu prejudicado pela doação inoficiosa possui o prazo de 20 (vinte) anos, contados a partir do ato jurídico que se pretende anular, para ajuizar a ação de nulidade. Vejamos o julgado do Superior Tribunal de Justiça in verbis:
CIVIL E PROCESSO CIVIL. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. AÇÃO ANULATÓRIA DE DOAÇÃO INOFICIOSA. DOAÇÃO INOFICIOSA. NULIDADE. PRESCRIÇÃO. TERMO INICIAL. REGISTRO DO ATO. PRECEDENTES.
1. Ação anulatória de doação inoficiosa.
2. Esta Corte Superior de Justiça, com a ressalva do meu posicionamento, firmou entendimento no sentido de que, no caso de ação de nulidade de doação inoficiosa, o prazo prescricional é vintenário e conta-se a partir do registro do ato jurídico que se pretende anular. Precedentes.
3. Agravo interno no recurso especial não provido. (AgInt no Resp nº 1810727/SP, 3ª Turma/STJ, Ministra Relatora NANCY ANDRIGHI, j. 20/04/2020, grifos nossos).
Podem existir situações, contudo, em que o herdeiro prejudicado por doação inoficiosa ainda não era reconhecido pelo autor da herança no momento do ato danoso. Este foi o caso concreto recentemente julgado pelo Superior Tribunal de Justiça no qualo reconhecimento da paternidade foi post mortem. Vejamos:
RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL. SUCESSÕES. AÇÃO DE NULIDADE DE DOAÇÃO INOFICIOSA E PARTILHA DE BENS, CUMULADA COM PETIÇÃO DE HERANÇA. FILIAÇÃO RECONHECIDA E DECLARADA APÓS A MORTE DO AUTOR DA HERANÇA. PRAZO PRESCRICIONAL. TERMO INICIAL. TEORIA DA ‘ACTIO NATA’ EM SEU VIÉS SUBJETIVO. DATA DO TRÂNSITO EM JULGADO DA AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE.
1. Controvérsia acerca da definição do termo inicial do prazo para o ajuizamento da ação de redução inoficiosa por herdeiro necessário cuja filiação foi reconhecida apenas após a morte do “de cujus”.
2. Nas hipóteses de reconhecimento “post mortem” da paternidade, o prazo para o herdeiro preterido buscar a nulidade da partilha e reivindicar a sua parte na herança só se inicia a partir do trânsito em julgado da sentença proferida na ação de investigação de paternidade, quando resta confirmada a sua condição de herdeiro. Precedentes específicos desta Terceira do STJ.
3. Aplicação excepcional da teoria da “actio nata” em seu viés subjetivo, segundo a qual, antes do conhecimento da violação ou lesão ao direito subjetivo pelo seu titular, não se pode considerar iniciado o cômputo do prazo prescricional.
4. Plena aplicabilidade desta orientação às pretensões de anulação de doação inoficiosa proposta por herdeiro necessário cuja filiação ainda não era reconhecida ao tempo da liberalidade.
5. Tempestividade do ajuizamento da ação de petição de herança em 26/08/2010, ou seja, quando ainda não havia transcorrido o prazo prescricional vintenário do art. 177 do Código Civil de 1916, ordinariamente aplicado a esta pretensão, contado da data da abertura da sucessão, em 22/07/2002, ou do art. 205 do Código Civil de 2002, na forma do seu art. 2028.
6. Direito da autora de ver conferido o valor das doações recebidas pelos seus irmãos que permanece hígido, ainda que se considere prescrita a pretensão de anulação da doação impugnada, uma vez que a colação constitui dever legal imposto ao descendente donatário que se protrai para o momento da abertura da sucessão, nos termos do art. 1.786 e seguintes do Código Civil.
7. Fundamento autônomo apto a manter as conclusões do acórdão recorrido.
8. RECURSO ESPECIAL DESPROVIDO. (Resp nº 1.605.483/MG, 3ª Turma/STJ, Ministro Relator PAULO DE TARSO SANSEVERINO, j. 23/02/2021, grifos nossos)
A filha reconhecida, após a morte do pai, ajuizou, em face dos demais herdeiros, a Ação de Nulidade de Doação Inoficiosa e Partilha de bens cumulada com Petição de Herança. A demanda foi julgada procedente em primeiro e segundo grau. Os réus, assim, interpuseram Recurso Especial alegando, em suas razões recursais, a ocorrência da prescrição vintenária para a propositura da Ação Anulatória de Doação Inoficiosa.
De fato, a doação ocorreu em 1987, ou seja, há mais de 20 anos do ajuizamento da ação em tela. No entanto, à época, a autora ainda não tinha a legitimidade para ingressar com a demanda, posto que só teve a paternidade reconhecida no ano de 2010.
Nas palavras do Ministro Relator Paulo de Tarso Sanseverino:
(…) a legitimidade do herdeiro prejudicado, seja para reclamar direitos hereditários pelo falecimento do seu pai, seja para postular a anulação da doação realizada por este em vida apenas aos filhos havidos do casamento, somente foi adquirida quando efetivamente reconhecida a sua parentalidade. (Resp nº 1.605.483/MG, 3ª Turma/STJ, j. 23/02/2021).
Frente à peculiaridade do caso, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça houve por bem reconhecer que o marco inicial da contagem de prescrição para o ajuizamento da Ação Anulatória de Doação Inoficiosa é a data em que foi declarada a paternidade e não a data de registro da escritura de doação.
Entende-se, portanto, que o reconhecimento da paternidade é o instituto essencial para que o interessado possa reclamar seus direitos em relação a uma doação inoficiosa.
Tendo isso em vista, salienta-se que, atualmente, reconhecer a paternidade se tornou bem mais simples, pois é possível realizar tal procedimento pela via extrajudicial, quando o reconhecimento é voluntário.
O Provimento nº 16, editado aos 17 de fevereiro de 2012, pelo Conselho Nacional de Justiça, permite que o reconhecimento da filiação possa ser realizado diretamente perante os Oficiais de Registro Civil das Pessoas Naturais, desde que haja manifestação de vontade para o reconhecimento, assim como concordância do filho reconhecido maior ou do outro genitor em caso de filhos menores.
A manifestação de vontade do reconhecedor, vale mencionar, pode ser colhida pelo oficial de registro, utilizando-se de modelo padronizado em referido Provimento, ou formalizada nos termos do art. 1.609 do Código Civil, devendo a documentação hábil ser anexada ao procedimento de reconhecimento de filiação.
O reconhecimento pode ocorrer no momento do registro de nascimento, por meio da perfilhação, ou posteriormente, inclusive caso o reconhecedor já tenha falecido, mas o tenha manifestado em documento escrito.
Ademais, o procedimento de reconhecimento pode ser instaurado perante serventia registral diversa daquela em que lavrado o assento de nascimento do reconhecido. Aqui, como medida facilitadora, o procedimento poderá ser remetido, por meio da plataforma eletrônica estabelecida pelo Provimento n.º 46/2015, do Conselho Nacional de Justiça, denominada Central de Informações do Registro Civil das Pessoas Naturais – CRC, ao Oficial da serventia em que lavrado o assento de nascimento para que realize a qualificação registral da documentação apresentada e, proceda, em caso de qualificação positiva, à averbação do reconhecimento da filiação no respectivo assento.
Nos termos do art. 7º do Provimento n.º 16/2012, a averbação do reconhecimento de filho é concretizada independentemente de manifestação do Ministério Público ou decisão judicial.
Diante deste cenário, caso o filho queira impugnar uma doação inoficiosa feita pelo pai antes do reconhecimento da paternidade, para comprovar a tempestividade da ação, bastará a apresentação da certidão de nascimento em inteiro teor, com a averbação da paternidade, considerando que o prazo prescricional passa a correr somente a partir do reconhecimento paterno, com fulcro na citada jurisprudência do STJ.
Publicado no Migalhas.
Rachel Leticia Curcio Ximenes é sócia do CM Advogados, bacharel em Direito pela PUC/SP. Mestra e doutora em Direito Constitucional. Presidente da Comissão Especial de Direito Notarial e Registros Públicos da OAB/SP – Ordem dos Advogados do Brasil, Seção São Paulo.
Karine Maria Famer Rocha Boselli é bacharel em Direito pela FADUSP. Pós-graduada em Direito Comunitário. Mestre em Direito Internacional Público. Doutoranda em Direito Internacional Privado pela FADUSP. Especialista em Direito Notarial e Registral pela PUC/SP. Vice-Presidente da ArpenSP.