Decisões permitem recolhimento de imposto apenas sobre valores já recebidos
Por Adriana Aguiar no jornal Valor Econômico
Distribuidoras de energia elétrica têm conseguido liminares na Justiça para recolher o ICMS pelo regime de caixa no período da pandemia. Ou seja, só pagarão o imposto na medida em que receberem os valores devidos pelos clientes ao quitarem suas contas de luz. Já existem decisões favoráveis à Energisa Sul-Sudeste.
Em geral, as concessionárias recolhem o ICMS antecipado (regime de substituição tributária) e depois cobram o tributo do consumidor na fatura. Porém, diante da decretação do estado de calamidade pública nacional até dia 31 de dezembro e da Resolução n° 878 da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), que obriga as distribuidoras a fornecerem energia elétrica mesmo em caso de inadimplência, as companhias alegam na Justiça que recolhem valores de tributos não recebidos.
O índice de inadimplência dos clientes com relação ao pagamento de contas de luz está entre 15% e 20%, de acordo com dados da Associação Brasileira dos Distribuidores de Energia Elétrica (Abradee). Antes da crise provocada pelo novo coronavírus, a taxa média era de 4%.
O advogado que assessora a Energisa Sul-Sudeste e a Energisa Paraíba nos processos, Maurício Faro, sócio do BMA Advogados, afirma que os pedidos foram baseados no princípio da proporcionalidade e capacidade contributiva das empresas, além dos efeitos da crise para o setor. "Não faz sentido tributar além da receita que ingressa no caixa da companhia", diz. Para ele, as decisões têm sido bem fundamentadas pelos juízes e a discussão interessa a todas concessionárias de serviço público.
Ao analisar o caso da Energisa Sul-Sudeste, o juiz Guilherme de Paula Rezende, da 4ª Vara da Fazenda Pública do Foro Central de Curitiba, ressaltou que a discussão é controversa e ainda está para ser definida em repercussão geral no Supremo Tribunal Federal (STF). O caso afetado na Corte trata de direito ao crédito de ICMS em caso de inadimplência absoluta dos usuários de empresa de telecomunicações (ARE 668974). Segundo o magistrado, os julgamentos sobre o tema, porém, não estão suspensos em decorrência da repercussão.
Para o juiz, o artigo 155, parágrafo 2º, inciso I, da Constituição expressamente fixou que o ICMS é não cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação. Ele afirma que as medidas tomadas pela Aneel e pela Lei nº 20.187/2020, do Estado do Paraná, que proibiram o corte de fornecimento de serviços de energia elétrica, impuseram perda significativa de faturamento. "Pior. Nos casos de inadimplência absoluta do consumidor final, o distribuidor de energia viu-se impossibilitado de cessar a prestação de serviços e de repassar a carga tributária ao contribuinte de fato. Mesmo assim, remanesce dever de arcar com custos de produção e distribuição, além de pagar ao Estado valores a título de ICMS que não auferiu/não captou, agindo como se verdadeiro garantidor-universal fosse", diz o magistrado.
Segundo a decisão, exigir o recolhimento antecipado de todo o ICMS neste momento violaria também o princípio da capacidade contributiva, "ao impor à impetrante exação desproporcional aos seus recursos, de modo a configurar verdadeiro confisco". Assim, concedeu a liminar (Processo nº 0001926- 85.2020.8.16.0004) para que a empresa recolha o ICMS somente sobre as faturas quitadas. A decisão é do dia 21 de maio.
Outra liminar neste mesmo sentido foi concedida para a Energisa Paraíba. O juiz Aluízio Bezerra Filho, da 6ª Vara da Fazenda Pública de João Pessoa, entendeu que "há nítido desequilíbrio econômico do contrato, pois, além de terem de fornecer energia elétrica sem a contraprestação do pagamento, também terão de recolher esses tributos em razão do faturamento, sem que possam utilizar-se dos meios coercitivos para adimplemento, gerando grande sobrecarga tributária sobre a cadeia de consumo"
Na prática, segundo o magistrado, a companhia "não arrecada, não pode cobrar, mas, ainda assim, precisa repassar, antecipadamente, na qualidade de contribuinte substituto tributário todo o ICMS devido na cadeia de consumo". Por isso, para ele não se trata de repassar ao Fisco "o ônus da inadimplência, mas tão somente de compartilhar com o erário o seu infortúnio (de ambos), fazendo a cada qual recair,nas respectivas proporções, as indesejáveis agruras do inadimplemento" (Processo nº 0825823-62.2020.8.15.2001). A decisão foi tomada na terça-feira.
Para o advogado tributarista Pedro Moreira, do CM Advogados, normalmente, o recolhimento do ICMS independe do pagamento da mercadoria ou do serviço pelo consumidor. "Porém, no caso concreto, as concessionárias estão obrigadas pela Aneel ao fornecimento da energia elétrica mesmo em caso de inadimplemento", diz. Tendo em vista essa imposição, o advogado afirma que as decisões parecem acertadas. "Exigir o ICMS, mesmo em caso de inadimplência, não seria de fato razoável", diz. Porém, Moreira ressalta que pode haver revisão das decisões pelas instâncias superiores, pois o presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Dias Toffoli, tem acolhido pedidos para anular decisões que postergam o recolhimento dos tributos.
Procuradas pelo Valor, a assessoria de imprensa do governo do Estado do Paraná informou que a Procuradoria Geral do Estado (PGE) ainda não foi notificada da decisão. A PGE da Paraíba não retornou até o fechamento da reportagem.
Publicado originalmente no Valor Econômico.