Confederação Nacional de Saúde – CNSaúde – ajuizou Ação Direta de Inconstitucionalidade para impedir requisições de bens e serviços particulares para atendimento da crise
MEMORANDO
Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 6362 – Requisições de Equipamentos de Saúde
Em 02/04/2020 a Confederação Nacional de Saúde – CNSaúde – ajuizou Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 6362 para impedir que sejam aplicados em desconformidade com a Constituição Federal os dispositivos legais trazidos pela Lei nº 13.979/2020 que tratam das hipóteses de requisições de bens e serviços particulares para atendimento da crise (pandemia de COVID-19).
O contexto de fato apresentado é a banalização da utilização do instituto por Estados e Municípios.
O centro da celeuma é art. 3º, inciso VII e parágrafo 7º, inciso III, que, além de tratarem da possibilidade de requisição, concedem a todos os gestores locais de saúde a prerrogativa de exercê-la:
Art. 3º Para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus, as autoridades poderão adotar, no âmbito de suas competências, dentre outras, as seguintes medidas: (…)
VII – requisição de bens e serviços de pessoas naturais e jurídicas, hipótese em que será garantido o pagamento posterior de indenização justa; (…)
- 7º As medidas previstas neste artigo poderão ser adotadas: (…)
III – pelos gestores locais de saúde, nas hipóteses dos incisos III, IV e VII do caput deste artigo.
A CNSaúde atua com legitimidade de entidade sindical patronal que reúne diversas federações hospitalares e sindicatos patronais de saúde do país, baseada, portanto no art. 103, inciso IX, da Constituição Federal.
Em se tratando de Ação Direta de Constitucionalidade, instrumento de controle concentrado de constitucionalidade, as decisões proferidas no processo terão efeito erga omnes, valendo para todos no território nacional.
Os principais fundamentos do pedido são a necessidade de haver controle e coordenação nacional das requisições, devido à motivação dos atos e atendimento à proporcionalidade. Alegam, ainda, que a banalização das medidas afeta diretamente o direito de propriedade e de livre iniciativa, também garantidos pela Constituição Federal.
Entende a CNSaúde que a atuação descoordenada dos entes públicos impossibilitará a atuação de cada um dos entes, vez que, levada aos últimos termos, causará uma corrida para conseguir em primeiro lugar os materiais e equipamentos de saúde, privilegiando entes melhor localizados e com mais recursos e inviabilizando o planejamento e combate a nível nacional. Este fato acarretaria a impossibilidade de os entes exercerem de fato a competência concorrente para tutela da saúde pública, contrariando a Constituição Federal.
A ausência de coordenação e controle dos esforços poderia levar, então, à própria falha na garantia da saúde pública, em ofensa à Constituição, na medida em que limitaria o acesso dos próprios entes públicos aos materiais e serviços de saúde tão necessários neste momento.
Defendem, ainda, que a ausência de motivação dos atos de requisição, que têm sido expedidos de forma genérica e sem limites, impede a análise de cabimento da medida, uma
vez que, ainda que permitida pela lei, a medida não prescinde de adequação, proporção e motivação. Sendo assim, argumentam ser necessário o esgotamento de outras medidas menos gravosas bem como a comprovação da efetiva necessidade, juntamente com a requisição, o que não vem sendo feito pelos entes públicos.
De outro lado, a ADI reforça que a Lei nº 13.979/2020 não deixou de exigir fundamentação e motivação. Assim dispõe o § 1º do mesmo art. 3º:
As medidas previstas neste artigo somente poderão ser determinadas com base em evidências científicas e em análises sobre as informações estratégicas em saúde e deverão ser limitadas no tempo e no espaço ao mínimo indispensável à promoção e à preservação da saúde pública.
Isso tudo serviria para reforçar a excepcionalidade da medida em oposição à banalização que estaria ocorrendo. Entende a CNSaúde que a motivação idônea é imprescindível à expedição da requisição, motivação esta que deve atender a estudos científicos, consonância e adequação com as medidas planejadas em caráter nacional, esgotamento das vias menos gravosas e princípio da proporcionalidade.
A ADI aproveita para trazer a realidade em muitos locais do País, citando exemplos de abusos, arbitrariedades e desproporcionalidades.
Exemplo grave mencionado na ADI é do Estado da Bahia. Por meio do Decreto no 19.533, de 18/03/2020, a partir da permissão genérica da Lei nº 13.979/2020 aliado ao estado de calamidade pública, determinou "o recolhimento nas sedes ou locais de armazenamento dos fabricantes, distribuidores e varejistas".
Ao que parece, não há motivação e tampouco limite para o ato. O Estado da Bahia simplesmente parece ter determinado o recolhimento de todos os EPI(s) hospitalares que estejam na posse dos distribuidores.
Em sede de liminar foi pedido que as requisições futuras sejam submetidas ao prévio exame e autorização do Ministério da Saúde, que sejam suspensas as requisições que não estiverem submetidas a isto e a vedação de interpretações dos dispositivos da Lei nº 13.797/2020 não estejam em conformidade com a Constituição Federal, nos moldes da fundamentação da ação.
Como pedido final, requereram seja conferida ao art. 3º, inciso VII e §7º, III, da Lei nº 13.797/2020, interpretação conforme a Constituição Federal, nos exatos termos das medidas liminares pleiteadas.
A ADI foi distribuída ao relator Min. Ricardo Lewandowski e atualmente está em conclusão para decisão do pedido liminar.
CELSO CORDEIRO DE ALMEIDA E SILVA
MARCO AURÉLIO DE CARVALHO
(ADVOGADOS ASSOCIADOS)