Por Saulo Vinícius de Alcântara e Mirele Seixas Velludo
Na data de 10 de Junho de 2021, a Câmara Superior do Tribunal de Impostos do Estado de São Paulo não conheceu do Recurso Especial da Fazenda Pública do Estado de São Paulo, confirmando decisão da Segunda Câmara Julgadora do mesmo tribunal nos autos do processo tributário administrativo CIII 4095495-0 de 2018.
A decisão da Câmara Superior foi ementada da seguinte forma:
“ICMS. OPERAÇÃO ELIPSE. FALTA DE PAGAMENTO DE ICMS E ICME-SE. SIMULAÇÃO DE OPERAÇÕES INTERESTADUAIS COM DESTINO A ESTABELECIMENTO LOCALIZADO NO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO. OMISSÃO DE OPERAÇÕES INTERNAS AO TERRITÓRIO DO ESTADO DE SÃO PAULO. RESCURSO ESPECIAL d. FAZENDA PÚBLICA: ARGUMENTO de reforma da r. decisão recorrida quanto à d. Autuada e à d. Solidária PJ por entendimento diverso em outras decisões paradigmadas. NÃO CONHECIMENTO. Inservibilidade dos paradigmas para a demonstração do dissídio judicante. Ausência de similitude decorrente da aferição de que os ‘instrumentos instrutórios’ seriam distintos. ARGUMENTO de restabelecimento da responsabilidade solidária das PFs: NÃO CONHECIMENTO: Ausência de similitude jurídica das decisões paradigmadas que veicularam recapitulação em cadeia de responsabilidade solidária. Fundamento que se mantém e suficiente. Inteligência da Súm. 283 do E. STF. ARGUMENTO de nulidade. NÃO CONHECIMENTO: Inocorrência. Fundamento legal assumido pela r. decisão recorrida. RECURSO ESPECIAL DA d. FAZENDA PÚBLICA NÃO CONHECIDO”.
Mas o que importa mesmo saber é o que foi decidido na decisão mantida pela Câmara Superior do Tribunal de Impostos e Taxas do Estado de São Paulo e quais as razões do contribuinte que convenceram os julgadores administrativos.
Na data de 26 de março de 2019, a Segunda Câmara Julgadora do Tribunal de Impostos e Taxas do Estado de São Paulo, nos autos do processo tributário administrativo CIII 4095495-0 de 2018, decidiu que a responsabilidade solidária dos Recorrentes deveria ser afastada por ter sido fundamentada em provas ilícitas, imprestáveis para fins de lançamento fiscal.
Segundo a Câmara Julgadora “…as provas que embasaram a responsabilidade solidária dos supostos corresponsáveis são integralmente decorrentes da apreensão de documentos digitais (e-mails, planilhas, documentos comerciais e internos) realizados no âmbito da Operação Elipse, que, pelo que se tem notícia, não há qualquer Mandado de Busca e Apreensão Judicial ou Termo de Apreensão de Documentos que comprove a legalidade na obtenção das provas dos autos…”  
Continua a Segunda Câmara Julgadora: “…por esse motivo, considero que os documentos que embasam a responsabilidade tributária dos corresponsáveis são formalmente ilícitos… portanto, não podem ser considerados como meios aptos de prova…”
Conclui a Segunda Câmara Julgadora que “…portanto, sendo de rigor o afastamento da solidariedade tributária no presente caso, merece provimentos os recursos ordinários interpostos pelos responsáveis solidários…”
Referida decisão é um marco para o Tribunal de Impostos de Taxas do Estado de São Paulo e para os contribuintes paulistas, pois desautoriza a Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo a cometer inconstitucionalidades e ilegalidades quando das diversas operações que realiza no combate à sonegação fiscal.
Como muito bem decidido pela Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal nos autos do HC 82788, de relatoria do então Ministro Celso de Mello, já em idos de 2005, “não são absolutos os poderes de que se acham investidos os órgãos e agentes da administração tributária, pois o Estado, em tema de tributação, inclusive em matéria de fiscalização tributária, está sujeito à observância de um complexo de direitos e prerrogativas que assistem, constitucionalmente, aos contribuintes e aos cidadãos em geral”. Continua o Supremo Tribunal Federal afirmando que “a administração tributária, por isso mesmo, embora podendo muito, não pode tudo. É que, ao Estado, é somente lícito atuar, ‘respeitados os direitos individuais e nos termos da lei’ (CF, art. 145, § 1º)…”
No caso da decisão da Segunda Câmara Julgadora do Tribunal de Impostos e Taxas do Estado de São Paulo, nos autos do processo tributário administrativo CIII 4095495-0 de 2018, mantida pela Câmara Superior do mesmo tribunal, o que se fez foi garantir ao contribuinte a inviolabilidade domiciliar como limitação constitucional ao poder de tributar do Estado.
Conforme o inciso XI do artigo 5º da Constituição Federal, somente com mandado judicial o Estado pode invadir espaços privados, não abertos ao público, onde alguém exerce atividade profissional, para ali fazer apreensão de documentos e equipamentos com o fito de produzir provas contra o contribuinte e dele exigir tributos e multas.
A Segunda Turma do Tribunal de Impostos e Taxas do Estado de São Paulo, ao considerar ilícitas as provas produzidas nos autos do processo tributário administrativo CIII 4095495-0 de 2018, na verdade observou o quanto decidido pela Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal nos autos do HC 82788, que expressamente fez consignar em sua decisão que “…nenhum agente público, ainda que vinculado à administração tributária do Estado, poderá, contra a vontade de quem de direito (‘invito domino’), ingressar, durante o dia, sem mandado judicial, em espaço privado não aberto ao público, onde alguém exerce sua atividade profissional, sob pena de a prova resultante da diligência de busca e apreensão assim executada reputar-se inadmissível, porque impregnada de ilicitude… O atributo da auto-executoriedade dos atos administrativos, que traduz expressão concretizadora do ‘privilège du preálable’, não prevalece sobre a garantia constitucional da inviolabilidade domiciliar, ainda que se cuide de atividade exercida pelo Poder Público em sede de fiscalização tributária…”
A Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo, ao realizar operações fiscais, muitas vezes apoiada pela presença intimidadora da polícia civil, não pode produzir provas ilícitas para exigir tributos do contribuinte, sob pena de ilegitimidade e ofensa aos direitos e garantias constitucionalmente protegidos.
Como muito bem decidido pelo Supremo Tribunal Federal (HC 82788): “…os procedimentos dos agentes da administração tributária que contrariem os postulados consagrados pela Constituição da República revelam-se inaceitáveis e não podem ser corroborados pelo Supremo Tribunal Federal, sob pena de inadmissível subversão dos postulados constitucionais que definem, de modo estrito, os limites – inultrapassáveis – que restringem os poderes do Estado em suas relações com os contribuintes e com terceiros…”
Assim é que a decisão do Tribunal de Impostos e Taxas ora tratada, na esteira da decisão do Supremo Tribunal Federal no HC 82788, é um alento aos contribuintes, pois que coloca um basta nas arbitrariedades da Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo em suas diversas operações de combate à sonegação, chegando ao cúmulo de apoiar-se em provas ilícitas quando do lançamento de créditos tributários.
A Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo pode e deve continuar combatendo a sonegação fiscal, mas deve se utilizar de meios legais, mantendo estrito respeito aos direitos e garantias individuais previstos na Constituição Federal.


Saulo Vinícius de Alcântara é sócio do escritório Celso Cordeiro & Marco Aurélio de Carvalho Advogados. Especialista em Direito Tributário.
Mirele Seixas Velludo é sócia do escritório Celso Cordeiro & Marco Aurélio de Carvalho Advogados. Especialista em Direito Tributário.
Publicado no Migalhas.