No dia 28 de janeiro de 2021, o Ministério Público do Trabalho publicou Guia Técnico dispondo sobre a necessidade de priorizar a saúde de todos e, sobretudo do trabalhador, em tempos de pandemia de COVID-19. O vasto estudo de quase setenta páginas elencou as principais atualizações sobre o panorama mundial do vírus, situação das vacinas no Brasil, protocolo de vigilância epidemiológica e sanitária, entre outros detalhes.
Importante mencionar que, embora o órgão tenha se manifestado no sentido de priorizar a coletividade em detrimento das vontades individuais, ressaltou também que há grupos comprovadamente contraindicados para receber a vacinação, como gestantes, menores de 18 anos, pessoas que apresentaram reação anafilática a uma dose anterior da mesma vacina ou a componentes desta.
Porém, o ponto mais midiático foi o posicionamento favorável quanto à aplicação de punições ao trabalhador que se recusar a tomar a vacina, quando esta vier a ser fornecida em larga escala.
De acordo com o Guia, a compulsoriedade da vacinação está fundamentada no artigo 3º da Lei 6.259/75, a qual dispõe sobre a organização das ações de Vigilância Epidemiológica, determinando que incumbe ao Ministério da Saúde a "elaboração do Programa Nacional de Imunizações, que definirá as vacinações, inclusive as de caráter obrigatório". Ainda, conforme a Lei 13.979/20, o artigo 3º, inciso III é claro ao dispor sobre a determinação compulsória de "d) vacinação e outras medidas profiláticas".
Neste sentido, cumpre ressaltar que o referido dispositivo foi levado à análise do Supremo Tribunal Federal, o qual decidiu por sua constitucionalidade, com a ressalva de que vacinação compulsória não é sinônimo de vacinação forçada, podendo ser implementada por meio de medidas indiretas, como a restrição ao exercício de atividades ou à frequência de determinados lugares, e aqui, se inserem as medidas cabíveis pelo empregador.
Como forma de orientar as empresas para garantir a eficácia horizontal dos direitos fundamentais, neles incluindo o meio ambiente do trabalho saudável e equilibrado, o Ministério Público do Trabalho orienta a inclusão da vacinação no Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional (PCMSO) uma vez que é obrigação do empregador reduzir os riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança, conforme disposto na Constituição Federal.
Nesta linha, dispõe o artigo 158 da Consolidação das Leis do Trabalho que a recusa injustificada ao cumprimento das instruções do empregador é considerada ato faltoso, o que pode ensejar a aplicação de advertência, suspensão ou, em último caso, demissão por justa causa.
Neste contexto, o estudo apresenta que nenhuma posição particular, convicção religiosa, filosófica ou política pode prevalecer sobre o direito da coletividade de obter a imunização conferida pela vacina, em programa nacional de vacinação aprovada pela ANVISA, e inserida nas ações do PCMSO.
Importante ressaltar que, embora o cenário de direito-dever de vacinação esteja dentro dos limites do poder diretivo do empregador, este não poderá aplicar, de imediato, a pena máxima ou qualquer penalidade, sem antes informar ao trabalhador sobre os benefícios da vacina e a importância da vacinação coletiva, além de propiciar atendimento médico, com esclarecimentos sobre a eficácia e segurança do imunizante.
Assim, de acordo o com o julgamento das Ações Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 6586 e 6587, são requisitos para a exigência e obrigatoriedade da vacinação: (i) ter base científica; (ii) ser acompanhada de ampla informação sobre eficácia, segurança e contraindicações dos imunizantes; (iii) respeitar a dignidade humana e os direitos fundamentais das pessoas; (iv) atender aos critérios de razoabilidade e proporcionalidade e (v) a distribuição ser universal e gratuita.
Em conclusão, certo é que a saúde é um direito de todos e é dever do Estado, da sociedade e das empresas priorizá-la, sobretudo em tempos de pandemia. Nesta linha, o Guia do Ministério Público do Trabalho acertadamente indicou as possibilidades de atuação empresarial para a proteção dos empregados, incluindo medidas punitivas, desde que de maneira gradual e com prévia e ostensiva informação sobre o tema.
Destaca-se que, conforme amplamente discutido, o poder diretivo do empregador deve ser utilizado com parcimônia, aplicando a justa causa apenas como última ratio, por ser a mais danosa ao trabalhador em termos de recebimento de verbas rescisórias.
Além disso, não obstante o documento possuir ampla fé pública em âmbito nacional, não há como estabelecer uma conexão direta destas orientações com a atuação da Justiça do Trabalho, a qual é amplamente conhecida por sua jurisprudência paternalista de reversão da medida punitiva mais grave em casos onde pairam dúvidas quanto à correta aplicação, razão pela qual aconselha-se a aplicação de outras medidas sempre que possível, como reuniões, treinamentos, palestras, advertências e suspensões.
Equipe Trabalhista do CM Advogados