O regime de não-cumulatividade tributária permite que as empresas descontem créditos referentes a custos e despesas incorridos em suas atividades, de forma a evitar que o mesmo tributo incida repetidamente sobre um produto ou serviço ao longo de sua cadeia produtiva e/ou de comercialização, gerando a denominada “tributação em cascata”. Sendo assim, a correta identificação e utilização desses créditos são cruciais para a gestão fiscal e a competitividade das empresas.

Ocorre que esse aproveitamento de créditos tributários sempre foi objeto de muitas controvérsias no atual Sistema Tributário Nacional. No caso de PIS/COFINS, houve uma grande discussão sobre o conceito de insumos. Nesse sentido, uma situação que ainda gera dúvidas é a do aproveitamento de créditos de PIS/COFINS sobre despesas com aluguel de caminhões, tratores e máquinas, no contexto de produtores rurais e agroindústrias., conforme disposição no artigo 3º, incisos II e III, da Lei Federal n. 10.637/2002[1] e artigo 3º, incisos II e IV, da Lei Federal n. 20.833/2003[2].

Do que se constata, esses dispositivos não fazem menção expressa aos caminhões e tratores agrícolas. E embora haja previsão do crédito sobre aluguel de máquinas, muitas vezes ocorre de as máquinas agrícolas serem classificadas como veículos apenas em razão de sua capacidade de deslocamento/movimentação, ignorando-se seu papel no processo produtivo do setor agropecuário e/ou agroindustrial. Disso resulta a glosa dos créditos de PIS/COFINS sobre o aluguel desses itens agrícolas. Por isso, analisemos os posicionamentos da RFB e do CARF sobre o tema.

Antes de mais nada, cabe pontuar que as Soluções de Consultas proferidas pela COSIT têm efeito vinculante no âmbito da RFB, nos termos do artigo 33, inciso I da IN RFB nº 2.058/2021. Significa dizer que os Auditores Fiscais da RFB estão vinculados aos entendimentos manifestados pela COSIT em sede de solução de consulta. Por essa razão, não é exagero concluir que as Soluções de Consulta representam o entendimento da RFB sobre determinado tema.

Pois bem. Na SC COSIT nº 1/2014, a RFB tratou do aproveitamento de créditos de PIS/COFINS sobre despesas com aluguel de veículos. No caso em questão, a consulente era uma empresa do ramo do comércio atacadista e sua atividade consistia na aquisição de produtos eletrônicos exclusivamente para fins de comercialização e revenda. Na formulação da consulta, a consulente alegou que precisava de uma frota de veículos para realizar visitas aos seus clientes, de modo a oferecer, demonstrar e vender seus produtos. Por isso, questionou a RFB quanto à possibilidade de apurar créditos de PIS/COFINS sobre alugueis de veículos.

A resposta da RFB foi negativa sob 3 (três) argumentos. Em relação ao artigo 3º, inciso II das Leis Federais nº 10.637/2002 e 10.833/2003, a RFB considerou que o conceito de insumo somente é aplicável às prestações de serviços e à produção ou fabricação de bens ou produtos destinados a venda, de tal maneira que não haveria de se falar em insumo para uma empresa cujo objeto seja a revenda de produtos.

Já em relação ao artigo 3º, inciso IV das Leis Federais nº 10.637/2002 e 10.833/2003, a RFB entendeu que esse dispositivo limita o direito ao crédito para apenas as despesas de alugueis de prédios, máquinas e equipamentos, o que não poderia ser interpretado extensivamente para abarcar as despesas com aluguel de veículos.

Ainda em relação ao referido inciso IV, a RFB argumentou que a legislação tributária faz referência distinta a “veículos” e a “máquinas e equipamentos”, de tal maneira que, se a lei quisesse permitir o crédito sobre despesas com aluguel de veículos, faria menção expressa a essa modalidade.

Já na SC COSIT nº 218/2019, a RFB abordou o aproveitamento de créditos de PIS/COFINS sobre despesas com aluguel de veículos à luz especificamente do conceito de insumos. Nesse caso, a consulente era uma empresa cujas atividades envolviam o transporte rodoviário de cargas. Diante disso, na sua resposta, a RFB concluiu que a atividade de locação de bens móveis não é serviço, razão pela qual não poderia constituir insumo para fins de apuração de créditos de PIS/COFINS.

Do que se verifica, a RFB possui entendimento consolidado no sentido de que não é possível a apuração de créditos de PIS/COFINS sobre o aluguel de veículos. No entanto, as consultas foram formuladas por contribuintes com atividades muito distintas às do setor agropecuário e/ou agroindustrial. Sendo assim, não há posicionamentos da RFB especificamente sobre a possibilidade ou não de aproveitamento de créditos de PIS/COFINS sobre o aluguel de caminhões, tratores e máquinas agrícolas.

Nesse cenário, resta inquirir o que seria veículo para fins tributários. A SCI COSIT nº 5/2017 foi formulada exatamente para tratar da “abrangência da expressão ‘veículos automotores’” na legislação tributária, “notadamente acerca da continência ou não de máquinas e equipamentos para construção e para uso agrícola classificados no capítulo 84” da TIPI ou da TEC.

Na consulta, a RFB concluiu que o conceito de “veículos” na legislação tributária i) é o mesmo do CTB, compreendido como “os veículos que circulem por seus próprios meios, transportando pessoas ou coisa, e os veículos que tracionem tais veículos, incluindo os tratores, e estão excluídos os veículos que circulem sobre os trilhos; e ii) pode ser complementado pelas classificações NCM/TIPI, no sentido de que os itens com NCM TIPI 84 são “máquinas e equipamentos” e os itens com NCM/TIPI 87 são veículos, inclusive, os tratores classificados no NCM/TIPI 87.01.

Ou seja, para a RFB, o simples fato de determinado item estar enquadrado no NCM/TIPI 87 (como caminhões e tratores agrícolas) já é suficiente para considerá-los como “veículos”. E embora algumas máquinas estejam enquadradas no NCM/TIPI 84, se essas possuírem capacidade de deslocamento/movimentação (como algumas máquinas agrícolas), seria possível classificá-las como “veículos”.

Quer dizer, a RFB ignora que um caminhão, um trator ou uma colheitadeira, se colocados dentro do contexto produtivo correto, não possuem apenas a função de veículo, mas sim de maquinário. Tanto é que, embora esses itens possam fazer as vezes de um veículo de transporte, realizando deslocamentos, não é de sua essência que o façam, pois são, na realidade, maquinários voltados à produção agrícola.

Portanto, embora a SCI COSIT nº 5/2017 não seja sobre créditos de PIS/COFINS, é possível concluir, em conjunto com as demais soluções de consulta, que o entendimento da RFB é no sentido de não ser cabível o aproveitamento de créditos de PIS/COFINS sobre o aluguel de caminhões, tratores e máquinas agrícolas.

Esse posicionamento da RFB tem sido enfrentado no CARF. Em dada ocasião, a 1ª Turma da 4ª Câmara do CARF considerou que o fato de determinadas máquinas e equipamentos terem capacidade de deslocamento não as tornam veículos comuns, de modo que é possível o crédito de PIS/COFINS sobre seus alugueis nos termos do artigo 3º, inciso IV das Leis Federais nº 10.637/2002 e 10.833/2003. No caso concreto, a RFB havia glosado os créditos de PIS/COFINS aproveitados por uma empresa mineradora sobre alugueis de caminhões utilizados na extração mineral[3].

Em mesmo sentido, a 2ª Turma da 3ª Câmara do CARF julgou que, para fins de aproveitamento de créditos de PIS/COFINS sobre as despesas de aluguel do artigo 3º, inciso IV das Leis Federais nº 10.637/2002 e 10.833/2003, o enquadramento de determinado item como “veículo” ou como “máquinas e equipamentos” não depende de sua classificação NCM/TIPI, mas sim de sua inserção e utilização no processo produtivo da empresa. Sob esse entendimento, a 2ª Turma da 3ª Câmara do CARF reverteu a glosa de créditos de PIS/COFINS sobre a locação de veículos utilizados na produção agrícola e agroindustrial de uma usina de açúcar e álcool[4].

Conforme posto no referido Acórdão, as máquinas e equipamentos que concedem o direito ao crédito não são apenas aquelas classificadas na TIPI (NCM) nos capítulos 84 e 85, que se refere a “máquinas e aparelhos”, pois diversos bens classificados nos capítulos 86 e 87, que se referem a “veículos”, bem como nos capítulos 88 (aeronaves) e 89 (embarcações), seja pela sua própria natureza ou pelo acréscimo de dispositivos e acessórios que alteram suas características básicas, podem ser considerados incluídos no conceito de ‘máquinas’”.

Ou seja, sob essa ótica, as definições do CTB ou então a classificação NCM/TIPI não são suficientes para a classificação de determinados itens como “veículos” ou como “máquinas e equipamentos”, devendo ser analisado também a natureza desses itens e sua inserção no processo produtivo do contribuinte.

Há interpretações distintas, no entanto. Sobre o tema,  2ª Turma da 1ª Câmara do CARF entendeu que itens arrolados no NCM/TIPI 87 não podem ser enquadrados como “máquinas e equipamentos” para os fins do artigo 3º, inciso IV das Leis Federais nº 10.637/2002 e 10.833/2003. Apesar disso, no mesmo Acórdão, a referida Turma julgou que o aluguel de alguns desses itens constitui insumo, apto a gerar créditos nos termos do, inciso II do mesmo dispositivo, das Leis Federais nº 10.637/2002 e 10.833/2003. Com isso, a 2ª Turma da 1ª Câmara do CARF reverteu a glosa de créditos apurados por uma usina sobre o aluguel de veículos (pás carregadeiras e de transbordo) utilizados para o transporte de insumo da fase agrícola (cana) para a fábrica de açúcar e álcool[5].

Diante disso, verifica-se que, embora os julgados das Turmas Ordinárias do CARF sejam em grande parte favoráveis ao aproveitamento de créditos de PIS/COFINS sobre o aluguel de caminhões, tratores e máquinas agrícolas, ainda não há uma unanimidade quanto aos fundamentos legais para tal, resistindo ainda insegurança jurídica em relação a esse procedimento, sobretudo em razão do entendimento contrário da RFB. Ora entende-se que o aluguel desses itens constituiria insumo, ora equipara-se o aluguel de “veículos” ao aluguel de “máquinas e equipamentos”.

Portanto, é possível extrair 3 (três) conclusões sobre o tema:

Primeiro: a RFB possui entendimento de que os alugueis de caminhões, tratores e máquinas agrícolas não geram direito ao crédito de PIS/COFINS, pois classifica os caminhões e tratores agrícolas como “veículos” por possuírem NCM/TIPI 87, enquanto que as máquinas agrícolas, embora possuam NCM/TIPI 84, são classificadas como “veículos” apenas por possuírem capacidade de deslocamento/movimentação, nos termos do CTB. Assim, não se aplica os incisos II e IV do artigo 3º das Leis Federais nº 10.637/2002 e 10.833/2003.

Segundo: as Turmas Ordinárias do CARF têm adotado, mais recentemente, o entendimento de que caberia o crédito de PIS/COFINS sobre o aluguel de caminhões, tratores e máquinas agrícolas, pois o enquadramento desses itens como “veículos” ou como “máquinas e equipamentos” não estaria inteiramente condicionado às definições do CTB ou às classificações NCM/TIPI, mas sim à sua utilização no processo produtivo do contribuinte. Embora ainda não haja consenso quanto ao fundamento legal para tal aproveitamento de créditos de PIS/COFINS, se seria o inciso II ou o inciso IV das Leis Federais nº 10.637/2002 e 10.833/2003, os recentes julgamentos das Turmas Ordinárias do CARF apontam para a importância de que seja demonstrada a utilização desses itens na produção agropecuária e/ou agroindustrial do contribuinte.

Terceiro e, por fim,: a 3ª Turma da Câmara Superior do CARF já possui julgados favoráveis ao crédito de PIS/COFINS sobre aluguel de veículos utilizados nos processos produtivos dos contribuintes. Porém, diante do cenário apresentado, é possível que a referida Turma seja instada a se manifestar novamente sobre o tema, em razão das especificidades do setor agropecuário e/ou agroindustrial.

Trata-se de matéria de grande relevância e repercussão para produtores rurais e agroindústrias e certamente merece a atenção dos juristas, contadores e profissionais ligados ao ramo.

 

Por Marcus Vinicius Stacciarini

 


[1] Lei Federal nº 10.637/2002 - Art. 3º. Do valor apurado na forma do art. 2º a pessoa jurídica poderá descontar créditos calculados em relação a: (...)

II - bens e serviços, utilizados como insumo na prestação de serviços e na produção ou fabricação de bens ou produtos destinados à venda, inclusive combustíveis e lubrificantes (...);

IV – aluguéis de prédios, máquinas e equipamentos, pagos a pessoa jurídica, utilizados nas atividades da empresa;

[2] Lei Federal nº 10.833/2003 - Art. 3º. Do valor apurado na forma do art. 2º a pessoa jurídica poderá descontar créditos calculados em relação a: (...)

II - bens e serviços, utilizados como insumo na prestação de serviços e na produção ou fabricação de bens ou produtos destinados à venda, inclusive combustíveis e lubrificantes (...);

IV - aluguéis de prédios, máquinas e equipamentos, pagos a pessoa jurídica, utilizados nas atividades da empresa;

[3] Acórdão nº 3401-011.007, sessão de 24/10/2022.

[4] Acórdão nº 3302-014.501, sessão de 19/06/2024.

[5] Acórdão nº 3102-002.658, sessão de 23/07/2024.