Análise ao artigo 486 CLT como alternativa para superação da iminente crise econômica brasileira advinda com a pandemia do coronavirus
Ementa: Dispõe acerca da análise pormenorizada do dispositivo 486 Consolidado, a fim de auferir a possibilidade de indenização estatal aos empregadores decorrente da decretação de fechamento das atividades empresariais tidas como não essenciais.
O meio de enfrentamento adotado pelos governantes de todo mundo para combater a crise pandêmica que assola a humanidade tem sido o isolamento, dito horizontal, determinando-se através de decretos o fechamento de todas atividades tidas como "não essenciais".
Com efeito, estudiosos da ciência econômica estimam que haverá uma crise sem precedentes, inclusive dispondo que "os países da América Latina e do Caribe não esquecerão, pois serão impactados por vários canais"[1].
Pois bem, empresários nacionais já acostumados a sofrerem diariamente com a alta carga tributária do país, sobretudo a trabalhista, da noite para o dia se viram, ainda, impedidos de funcionar em virtude do estado de calamidade pública proveniente do coronavirus.
Propostas governamentais ineficientes, até então, como edição da MP 927/2020, têm sido tomadas, sem contudo garantir o mínimo de segurança e amparo ao empresariado nacional, o que nos fez surgir a dúvida sobre a responsabilidade dos entes públicos no momento complexo vivido pela classe, bem como se a longínqua história de corrupção, omissão e descaso do Poder Público Brasileiro já não seria motivo garantidor de uma justa reparação.
Com base nessa filosofia, nos debruçamos sobre a legislação trabalhista que tanto ampara o empregado para verificar se a balança em algum momento poderá pender em benefício do empresário/empregador que gera renda e assalaria tantos empregados.
Nessa análise, nos deparamos com o artigo 486 Consolidado que prevê que na hipótese de paralisação temporária ou definitiva do trabalho, motivada por ato de autoridade municipal, estadual ou federal, ou pela promulgação de lei ou resolução que impossibilite a continuação da atividade, prevalecerá o pagamento da indenização, que ficará a cargo do governo responsável.
Dessa forma, vejamos o que dispõem o caput do artigo 486 da Consolidação das Leis do Trabalho (grifamos):
Art. 486 – No caso de paralisação temporária ou definitiva do trabalho, motivada por ato de autoridade municipal, estadual ou federal, ou pela promulgação de lei ou resolução que impossibilite a continuação da atividade, prevalecerá o pagamento da indenização, que ficará a cargo do governo responsável.
Ora, ao menos em um primeiro momento, o dispositivo se mostra amoldar perfeitamente ao cenário atual, posto que em virtude de um acontecimento imprevisível, houve ordem emanada pelas autoridades governamentais restringindo o funcionamento das empresas cuja produção, distribuição e comércio de bens e serviços são considerados "não essenciais" sendo a redação do aludido dispositivo clara no sentido de responsabilizar a autoridade governamental ao passivo trabalhista oriundo da paralisação – ainda que temporária –, das atividades do empresariado
A impossibilidade da atividade empresarial (temporária ou definitiva) nessa situação enseja a ocorrência do que chamamos de Factum Principis – Teoria do Fato do Príncipe, que prevê a ocorrência de um evento de força maior (pandemia), procedendo de uma determinação da autoridade pública, no sentido de interromper ou cessar sua atividade que consequentemente causa excessiva oneração a empresa.
Logo, sua caracterização depende da presença dos seguintes requisitos:
- ato administrativo inevitável praticado por autoridade competente;
- interrupção temporária ou definitiva da prestação dos serviços e
- não concorrência, direta ou indireta, do empregador para a prática do ato.
Nota-se que aludida teoria possui como premissa básica o fato de que a Administração Pública não está autorizada a causar prejuízos a ninguém, mesmo que seja em benefício da coletividade, o que reporta novamente a situação atual que vivemos.
Noutro fronte, não é essa uma tarefa fácil. Claramente estamos vivenciando um momento histórico e sem precedentes à humanidade moderna, sendo que jamais antes uma pandemia forçou governos a adotarem medidas restritivas tão rígidas. Por esse motivo, não se encontra na atividade jurisdicional casos análogos, nos quais o empregador pleiteou a responsabilização da Administração Pública pelo passivo trabalhista resultado de uma quarentena compulsória.
Ademais, a jurisprudência é escassa até mesmo quanto a outros acontecimentos imprevisíveis, contudo, temos visto julgados favoráveis à tese, inclusive, determinando o pagamento das verbas rescisórias pelo ente público, em hipóteses que houve a rescisão do contrato de trabalho em decorrência do factum princips.
Diante de tal situação extraordinária, cabe-nos [e resta-nos] apenas uma análise do entendimento doutrinário acerca do tema e uma avalição da aplicabilidade pelas Altas Cortes Trabalhista (Tribunais Regionais do Trabalho e Tribunal Superior do Trabalho), e, a partir da comunhão desse estudo, projetar o que daí se obteve ao caso concreto.
Nesse sentido, não é forçoso entender que a paralisação das atividades empresariais consideradas não essenciais em virtude da declarada pandemia global de COVID-19 em cidades e estados da federação é resultado de ato admirativo (normalmente decretos). Contudo, tal situação é inevitável e imprevisível ao empregador?
Entendemos e explicamos que sim. A paralisação das atividades empresariais não essenciais em cidades e até mesmo estados foi feita por meio de Decretos, atos administrativos que possuem força vinculante e seu descumprimento resulta em sanções ao empregador, portanto, inevitável. Ainda, o sars cov 2 – vírus causador da COVID-19 – é uma novidade à ciência, sendo observado pela primeira vez na China no final de 2019. Dessa forma, impossível exigir do empregador qualquer grau de previsibilidade em relação à pandemia.
Para corroborar com nosso entendimento, segue ementa julgada pelos TRT da 3ª região:
FACTUM PRINCIPIS. DESAPROPRIAÇÃO DE IMÓVEL RURAL PARA FINS DE REFORMA AGRÁRIA. HIPÓTESE CASUÍSTICA DE APLICAÇÃO DO ART. 486 DA CLT. Se a ação do Poder Público, mesmo visando a atender o interesse “social” vinculado à bandeira da reforma agrária, não foi motivado por comportamento ilícito dos proprietários da terra, e levou ao encerramento das atividades desenvolvidas por considerável gama de trabalhadores, há, sem dúvida, espaço para aplicação do art. 486 da CLT, que pressupõe uma atuação discricionária por parte do Estado para a qual não tenham contribuído culposa ou dolosamente os atingidos. O fato do príncipe impõe ao Estado o dever de honrar o passivo trabalhista oriundo do ato administrativo, ainda que este seja considerado legítimo. Recurso dos empregadores provido.
(TRT-3 – RO: 01767201303803005 0001767-96.2013.5.03.0038, Relator: Convocado Manoel Barbosa da Silva, Turma Recursal de Juiz de Fora, Data de Publicação: 02/10/2014,01/10/2014. DEJT/TRT3/Cad.Jud. Página 225. Boletim: Não.)
Notemos, ainda, que para o C. TST a caracterização da teoria (factum princips) resulta da atividade Administrativa enquanto autoridade pública, e não em demais papeis sociais. Ressalta-se, contudo, a edição de decretos determinando o fechamento do comércio, por exemplo, é a máxima expressão do papel de autoridade de um ente federativo – exercício do poder de polícia.
Portanto, diante do panorama desenhado até aqui, dos decretos de calamidade pública e de fechamento de estabelecimentos públicos e privados, todos emitidos pelos entes (Federal, Estadual e Municipal) vislumbra-se pela possibilidade de adoção das medidas judiciais frente à Administração Pública, caso haja demissão de empregados.
Obviamente, não sabemos qual será o posicionamento que o Judiciário Trabalhista adotará frente a esta questão, vez que versa sobre uma situação pontual e excepcional (pandemia nessas proporções), e aparentemente, jamais foi posto à apreciação a esta Justiça Especializada o pedido de indenização nesses contornos, todavia, fato é que a legislação nos permite ao menos ventilar tal possibilidade futura, motivo pelo qual se faz imprescindível medidas urgentes e assertivas do Governo à economia para evitar que este possa ser responsabilizado severamente por sua omissão com fundamento no artigo acima citado.
CM Advogados.
[1] https://agenciabrasil.ebc.com.br/economia/noticia/2020-03/cepal-crise-por-causa-de-covid-19-sera-uma-das-piores-do-mundo