STJ: o pacto antenupcial e a comunicação dos bens no regime patrimonial da separação legal
Por Fernanda Lopes Martins
É sabido que o Código Civil de 2002, em determinadas situações, impõe o regime de bens a ser adotado pelos cônjuges, conforme disposto nos incisos do artigo 1641 [1]. Um dos cenários que o legislador submeteu ao regime de separação total de bens obrigatório é o caso de cônjuge maior de 70 (setenta) anos, sob a justificativa da proteção de seu patrimônio [2].
Sumulou o Superior Tribunal Federal, ainda na vigência do Código Civil de 1916, que no regime de separação legal de bens, comunicam-se os adquiridos na constância do casamento (Súmula 377), ou união estável. A Súmula foi interpretada pelo Superior Tribunal de Justiça, o qual firmou o entendimento de que a comunicação dos bens se dará quando comprovado o esforço comum das partes/cônjuges para a sua aquisição (EREsp 1.623.858).
A despeito do quanto consolidado na Súmula 377, em recente decisão (REsp 1922347), o Superior Tribunal de Justiça entendeu que o pacto antenupcial ou o contrato de união estável pode afastar os efeitos da referida Súmula. Isso significa que, além de ser legalmente previsto o regime da separação de bens, podem os cônjuges pactuarem a separação total de bens, o que afastará toda e qualquer comunicação dos bens, ainda que adquiridos na constância do casamento ou união estável e com esforços conjuntos.
A decisão foi proferida em sede de recurso interposto por herdeira, pleiteando o reconhecimento do pacto antenupcial firmado entre seu falecido genitor e a viúva, por escritura pública, quando ele tinha 77 (setenta e sete) anos e ela 37 (trinta e sete). Embora o juízo de primeiro grau tenha acolhido a impugnação para afastar a viúva da inventariança, o Tribunal de Justiça do Paraná manteve-a na função.
Nas palavras do Ministro Luis Felipe Salomão, a imposição do regime da separação legal de bens justifica-se como uma forma de "proteger o idoso e seus herdeiros necessários dos casamentos realizados por interesse estritamente econômico, evitando que este seja o principal fator a mover o consorte para o enlace".
De fato, a rationale por trás da regra imposta pela norma civil é a proteção ao patrimônio do cônjuge já idoso e seus herdeiros. Por essa perspectiva, o pacto antenupcial pode estabelecer regras "ainda mais protetiva aos bens do nubente septuagenário – afastando a incidência da Súmula 377 do STF do regime da separação obrigatória –, preservando o espírito do Código Civil de impedir a comunhão dos bens do ancião", explica o Ministro.
O que não pode é afastar a aplicação do regime patrimonial de separação legal para instaurar um regime mais maleável e menos protetivo, ampliando-se a comunicação entre os bens, pois ai estar-se-ia contrariando o espírito da norma civil.
O entendimento do Superior Tribunal de Justiça vai de encontro com a realidade social e avanços da medicina, que tornaram cada vez mais natural que septuagenários estejam dispostos a casar-se (novamente ou não) e constituir união estável.
Dentro desse cenário, observa-se um papel quase que essencial do pacto antenupcial ou contrato de união estável para a proteção dos bens do casal, se esse for o seu objetivo, de modo a afastar a comunicabilidade dos bens inerente ao regime legal de separação de bens, sumulada pelo STF, e que aproxima tal regime ao da comunhão parcial de bens, o que muitas vezes sequer é de conhecimento dos próprios nubentes.
NOTAS
[1] Art. 1.641. É obrigatório o regime da separação de bens no casamento:
I – das pessoas que o contraírem com inobservância das causas suspensivas da celebração do casamento;
II – da pessoa maior de 70 (setenta) anos;
III – de todos os que dependerem, para casar, de suprimento judicial.
[2] Vale mencionar que tal norma se estende à União Estável também, conforme entendimento já consolidado do Superior Tribunal de Justiça (REsp 646.259).