STJ nega eficácia retroativa de escritura que fixou o regime da separação de bens após união estável de 35 anos
Por Ricardo Lopes Ferreira de Oliveira
A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça reconheceu a impossibilidade de se dar eficácia retroativa a uma escritura pública firmada em 2015, na qual as partes declaravam e reconheciam uma união estável de 35 anos e fixavam o regime da separação de bens nesse período.
No caso, a união estável estabelecida entre as partes perdurou por, aproximadamente, 35 anos. A convivência foi formalmente reconhecida pelos companheiros por força de escritura pública lavrada em 2012. Em 2015, foi lavrada outra escritura pública, em que os companheiros, além de ratificar o estabelecimento da união estável pelo referido período, declararam que, na forma do artigo 1.725 do Código Civil, a relação, "desde o seu início, sempre foi regida pelo regime da separação total de bens, sendo certo que os bens hauridos durante todo o relacionamento, de cada qual, não possuem origem no esforço comum e são, pois, incomunicáveis entre eles".
Na ação que deu origem ao recurso, a filha da convivente buscou a anulação da escritura pública firmada em 2015, sob a alegação de que a manifestação de vontade de sua mãe não se deu de forma livre e consciente, e de que seria inadmissível a celebração de escritura pública de união estável com eficácia retroativa.
Sobre a suposta existência de vício de consentimento, as instâncias ordinárias firmaram entendimento no sentido da higidez da declaração de vontade manifestada pela companheira. Remanesceu apenas a controvérsia a respeito de saber se a escritura pública em comento produz efeitos desde o início da união estável (ex tunc); ou apenas a partir de sua lavratura (ex nunc).
Importante ressaltar que, a particularidade deste caso reside no teor da escritura pública firmada pelos companheiros, que não estabeleceram nenhuma alteração de regime de bens (cujos efeitos a Terceira Turma do STJ reconheceu em outra ocasião que não retroagem – REsp 1.597.675/SP), mas declararam que a união estável, desde o seu início, sempre foi regida pelo regime da separação total de bens.
Segundo a relatora do recurso no STJ, ministra Nancy Andrighi, a ausência de contrato escrito convivencial não pode ser equiparada à ausência de regime de bens na união estável não formalizada, como se houvesse somente uma lacuna suscetível de ulterior declaração com eficácia retroativa. De acordo com seu voto, “o silêncio das partes naquela escritura pública de 2012 não pode, a meu juízo, ser interpretado como uma ausência de regime de bens que somente veio a ser sanada pela escritura pública lavrada em 2015.“.
Nesse sentido, sustentou que às uniões estáveis não contratualizadas ou contratualizadas sem dispor sobre o regime de bens, aplica-se o regime legal da comunhão parcial de bens, nos exatos termos do art. 1.725 do CC/2002, segundo o qual "na união estável, salvo contrato escrito entre os companheiros, aplica-se às relações patrimoniais, no que couber, o regime da comunhão parcial de bens".
Firme nessa premissa, a ministra Nancy Andrighi concluiu que a formalização posterior da união estável em que os conviventes dispõem sobre o regime de bens, adotando regime distinto do normativamente previsto para a hipótese de ausência de disposição, equivale à modificação do regime de bens na constância do casamento que, na esteira da jurisprudência do STJ, produz efeitos ex nunc (REsp 1.300.036/MT, 3ª Turma, DJe 20/05/2014).
Nesse sentido, a Terceira Turma, por maioria, proveu parcialmente os recursos especiais com a participação dos Srs. Ministros Ricardo Villas Bôas Cueva (voto-vista), Moura Ribeiro, Paulo de Tarso Sanseverino e Ricardo Villas Bôas Cueva, que acompanharam o voto da Relatora Sra. Ministra Nancy Andrighi, tendo como vencido o voto do Sr. Ministro Marco Aurélio Bellizze.
O voto vencido do Sr. Ministro Marco Aurélio Bellizze também se fundamentou no artigo 1.725 do CC/2002, no entanto, o Ministro ressaltou que "a condição, imposta por lei, para que este acordo verbal seja convalidado, produzindo os efeitos legais almejados pelos conviventes, é a sua formalização, por meio de um contrato escrito, o qual pode se dar a qualquer tempo, durante a união estável". De acordo com o Ministro, isso se deve ao fato de que a formalização do regime de bens, acordado pelos conviventes e faticamente regente desde o início da relação convivencial, promove sua convalidação, ficando, assim, preservados seus efeitos, desde então (do início da união estável).
Portanto, o entendimento final formado pela maioria da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça é no sentido da impossibilidade de reconhecer a eficácia retroativa à escritura pública que declara existência de união estável e estabelece, à posteriori, o regime da separação de bens contraposto ao regime legalmente aplicável durante o silêncio das partes, porquanto se equipara à modificação do regime de bens na constância do casamento, esta que, nos termos da jurisprudência do STJ, produz efeitos ex nunc.