O Superior Tribunal de Justiça, recentemente, decidiu uma matéria controversa na doutrina e na jurisprudência: a cessão de direitos hereditários sobre bem individualizado e a sua eficácia com relação a coerdeiros.
A Terceira Turma entendeu que tal negócio jurídico é válido, tendo tão somente sua eficácia, em relação aos coerdeiros, condicionada à efetiva atribuição do bem (objeto da cessão) ao cedente quando da realização da partilha, salvo se o cedente for o único herdeiro ou se todos participarem do negócio jurídico.
Na prática, esse entendimento significa que a cessão de direitos hereditários sobre um bem individualizado – como, por exemplo, um imóvel – é um ato jurídico válido e capaz de transmitir a posse, mesmo que sua eficácia esteja condicionada suspensivamente a evento futuro e incerto (atribuição do bem ao cedente), a admitir que a posse seja defendida por meio de Embargos de Terceiro.
No caso julgado, em um processo de inventário foi informada a existência de apenas duas herdeiras, as quais realizaram a cessão de direitos de um imóvel a terceiros (pessoas estranhas à sucessão), o qual, posteriormente, foi objeto de mais duas cessões.
Contudo, quando da realização do primeiro dos negócios jurídicos, já tramitava, em segredo de justiça, ação de investigação de paternidade cumulada com petição de herança, ajuizada por outras duas pessoas, que também acreditavam ser herdeiras do de cujus – e, portanto, com direito à herança.
Declarada a paternidade, na sequência os coerdeiros ajuizaram Ação de Prestação de Contas em face das cedentes, sendo nessa demanda determinada a penhora do imóvel que havia sido objeto da cessão, o que levou a possuidora da época a opor Embargos de Terceiro para a proteção da sua posse.
Após prolação de sentença desfavorável, a possuidora interpôs recurso ao Tribunal de Justiça e alcançou a reforma da decisão recorrida, tendo o Colegiado registrado que, além da ausência de comprovação da má-fé das únicas herdeiras até então conhecidas, o negócio jurídico havia observado seus requisitos de validade (notadamente por sua instrumentalização via escritura pública), apesar de sua eficácia não atingir os coerdeiros posteriormente reconhecidos, tornando-se imperioso o acolhimento dos Embargos opostos para a defesa da posse e o afastamento da penhora.
Inconformado, o Espólio de um dos coerdeiros posteriormente reconhecido levou a discussão ao Superior Tribunal de Justiça que, mantendo o acórdão hostilizado, chancelou a ineficácia da cessão de direitos hereditários tão-somente contra os coerdeiros, de modo que, não sendo inválido o negócio jurídico, é capaz de transmitir a posse ao terceiro, a ensejar o cabimento dos citados Embargos.
Aliás, foi ressaltado pelo Colegiado que o entendimento mantém coerência com o fixado na Súmula 84, do Tribunal da Cidadania, para o qual "é admissível a oposição de embargos de terceiro fundados em alegação de posse advinda do compromisso de compra e venda de imóvel, ainda que desprovido do registro".
Logo, comprovada a posse, abre-se caminho para que sejam suspendidas as medidas constritivas, cabendo ainda a manutenção ou a reintegração provisória da posse, até o julgamento definitivo dos Embargos de Terceiros.


Pablo Pavoni, advogado, bacharel em Direito pelo Centro Universitário UNISEBCOC, pós-graduado em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (IBET), cursando MBA em Gestão Tributária pela Fundace – FEA/USP, membro da Comissão Especial de Direito Notarial e de Registros Públicos da OAB/SP.