A adoção é um ato jurídico pelo qual alguém estabelece, independentemente de qualquer relação de parentesco consanguíneo ou afim, um vínculo jurídico irrevogável de pai e filho e cujos efeitos são os mesmos decorrentes de uma filiação biológica. As pessoas adotam por diversos motivos, tais como:  impossibilidade de ter filhos biológicos; estreitar os laços com o cônjuge, no caso de adoção de filhos da esposa ou marido com um cônjuge anterior; auxiliar crianças em dificuldades; possibilidade de escolha do sexo, dentre outros. Através da adoção, são rompidos os vínculos do adotado com os pais de sangue, salvo os impedimentos para o casamento, criando verdadeiros laços de parentesco entre o adotado e a família do adotante (CC, art. 1626). Assim a criança até 12 anos e o adolescente entre 12 e 18 anos de idade tinham o direito de ser criados e educados no seio da família substituta, de forma a assegurar sua convivência familiar e comunitária, conforme o disposto nos artigos 19 e 28 do Estatuto da Criança e Adolescente – ECA.
Dentre os requisitos necessários para a adoção temos a diferença mínima de idade entre o adotante e o adotado, pois, de acordo com o disposto no artigo 1619 do Código Civil, o adotante há de ser pelo menos 16 anos mais velho que o adotando. O principal objetivo era o de estabelecer filiação por adoção em condições etárias semelhantes à filiação biológica, para que os papéis materno e paterno fossem assegurados. Porém, este entendimento está mudando. A diferença etária mínima de 16 anos entre adotante e adotado, prevista no art. 42, § 3º do ECA, não é absoluta e pode ser flexibilizada à luz do princípio da socioafetividade. Há vários precedentes nesse sentido.
Em 2013, a 3ª Câmara Cível, do TJ/RN, reformou sentença que havia inadmitido ação de adoção, em decorrência da diferença de idade entre adotante e adotando ser inferior a 16 anos. Considerando a possibilidade de flexibilização do texto legal, devido ao contexto do processo, foi declarada a criação de vínculo jurídico de filiação entre o adotante e a adotada, que tinham 11 anos e 5 meses de diferença.
Esse tipo de situação reflete-se sobre a possibilidade de se considerar eventual relativização, especialmente quando presente uma relação de filiação socioafetiva. A Quarta Turma do STJ reconheceu que é possível, dependendo das circunstâncias de cada caso, flexibilizar a exigência de diferença mínima de 16 anos entre adotando e adotante. O entendimento está afinado com precedente no qual a Terceira Turma, acompanhando o voto do relator, ministro Villas Bôas Cueva, concluiu que o limite mínimo de idade entre as partes envolvidas no processo de adoção é uma referência a ser observada, mas não impede interpretações à luz do princípio da socioafetividade, cabendo ao juiz analisar as particularidades de cada processo. Se trata de um caso de adoção unilateral, em que o padrasto ou a madrasta pode adotar o enteado se for demonstrada a existência de vínculo socioafetivo revelador de relação parental estável, pública, contínua e duradoura.
No mesmo sentido, o RESP nº 1.338.616 – DF (2012/0170691-1)/STJ, de relatoria do Ministro Marco Buzzi, trata da ação de adoção unilateral socioafetiva de enteado promovida por padrasto. No caso em exame, o adotante é casado há muitos anos com a mãe do adotando, sendo a convivência desde muito novo. O adotando possui dois irmãos que são filhos de sua genitora com o adotante, motivo pelo qual pode a realidade dos fatos revelar efetiva relação de guarda e afeto já consolidada, fato este que, na hipótese de adoção unilateral, deve importar para a análise da relativização de diferença etária, levando-se em conta as reais vantagens para o adotando.
Conclui-se que a regra legal de que trata o art. 42, § 3º, do ECA, não ostenta natureza capaz de afastar a proteção aos interesses de filiação, permitindo o regular processamento da ação de adoção, atendendo-se à prevalência do princípio do melhor interesse.


Rachel Leticia Curcio Ximenes é sócia do CM Advogados, bacharel em Direito pela PUC/SP. Mestra e doutora em Direito Constitucional. Presidente da Comissão Especial de Direito Notarial e Registros Públicos da OAB/SP – Ordem dos Advogados do Brasil, Seção São Paulo.