O Superior Tribunal de Justiça decidiu, em sede de julgamento de Recurso Especial, por maioria de votos, que uma filha teria o direito de retirar o prenome dado pelo pai, o qual abandonou a família quando a recorrente ainda era uma criança.
A decisão gerou fortes divergências dentro da Corte Superior e, em última análise, reforça que as exceções ao princípio da imutabilidade do nome previstas na Lei de Registros Públicas são apenas de caráter exemplificativo.
A filha, que se chamava Ana Luiza, pleiteou a exclusão do prenome "Ana", que teria sido incluído no registro pelo pai em um momento de embriaguez, quando o homem saiu de casa ébrio rumo ao cartório. O genitor abandonou a família alguns anos depois, de modo que, segundo Luiza, o nome trazia reiterados constrangimentos.
No primeiro grau, ela teve a pretensão deferida, porém o entendimento foi reformado na segunda instância. Para o Tribunal, Luiza não teria comprovado nem a notoriedade do nome social, nem o constrangimento real pelo uso cotidiano do nome registrado – o que levou à interposição do Recurso Especial.
No STJ, o julgamento contou com diferentes interpretações por parte dos integrantes da Quarta Turma. Por fim, prevaleceu o voto do relator, ministro Antonio Carlos Ferreira, cujo entendimento foi o de que o constrangimento suportado por uma pessoa, com relação ao seu nome, deve ser avaliado sob a perspectiva do próprio indivíduo, de maneira subjetiva.
Acompanhado pelos ministros Luís Felipe Salomão e Isabel Gallotti, o relator reconheceu ainda que a exclusão do prenome "Ana" não causaria nenhum prejuízo à identificação familiar, no caso concreto, visto que o sobrenome seria mantido. No mais, considerou que não houve evidência de má-fé ou prejuízo a terceiros.
Contudo, essas teses foram bastante questionadas por outros membros do colegiado. O ministro Marco Buzzi abriu a divergência e entendeu que Luiza não havia sequer provado que o prenome "Ana" fora escolhido pelo pai. Além disso, manteve a interpretação do acórdão recorrido sobre a insuficiente comprovação das demais alegações. No voto, pontuou que a modificação da decisão esbarraria em reexame de provas e que a procedência do pedido poderia transformar a exceção em regra.
Ao também discordar do relator, o ministro Raul Araújo, por sua vez, destacou que a Lei de Registros Públicos traria alguns casos excepcionais para a alteração do nome. Para o magistrado, ou tem de ser mantida a higidez do sistema de registros públicos, ou ele é dispensável, podendo cada indivíduo mudar seu nome conforme transcorrerem os fatos em sua vida.
Apesar das assertivas interpretações, a maioria concordou com o ministro Antonio Carlos Ferreira, que ainda destacou a possibilidade de alteração do nome prevista no artigo 56 da Lei de Registros Públicos, em situação bem menos rigorosa que a dos autos. Por esse dispositivo, o interessado pode mudar o nome até um ano depois de atingida a maioridade civil, desde que não prejudique os apelidos da família.
Por último, o relator salientou que o diploma legal em análise é de 1973, momento em que a imutabilidade do nome era mais necessária para manter a segurança jurídica nas relações. Nos tempos atuais, de acordo com o ministro, existem variadas formas de identificação para além do nome, como registros numéricos, identificação digital e por imagem, as próprias redes sociais, entre outras.


Victor Dantas