Ao julgar a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4.223, de relatoria do Ministro Gilmar Mendes, o Supremo Tribunal Federal, em decisão proferida por unanimidade do Plenário, decidiu que pertence ao Tribunal de Justiça Estadual a iniciativa privativa para legislar sobre organização judiciária, na qual se inclui a criação, alteração ou supressão de cartórios.
Referida decisão foi proferida em Ação proposta pelo Procurador Geral da República, contra dispositivos da Constituição do Estado de São Paulo que tratam sobre reserva de iniciativa de lei. A parte autora do feito apontou violação ao artigo 96, I, b, e II, b e d, da Constituição Federal[1], alegando que pertencem à iniciativa reservada dos Tribunais de Justiça as Leis que tratem das serventias extrajudiciais, o que impediria mesmo o Constituinte Estadual de prever critérios para sua criação.
Em suma, ao declarar a inconstitucionalidade do artigo 24, § 2º, 6, da Constituição do Estado de São Paulo[2] e do art. 17, caput e parágrafos, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias[3] do mesmo diploma, a decisão reformou a extensa jurisprudência do STF até então existente, confirmando o que foi definido no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3.773, que declarou a inconstitucionalidade da Lei 12.227/2006 de São Paulo, que regulamentava o artigo 17 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias.
O Relator do caso afirmou que a composição e distribuição dos cartórios, que servem para garantir a publicidade, autenticidade, segurança e eficácia dos atos jurídicos, em equilíbrio entre a demanda social e a sustentabilidade prática, deve ser feita pelo responsável pela organização judiciária: os Tribunais de Justiça. Segundo ele "(…) as normas da Constituição Estadual não podem dispor sobre matéria de iniciativa legislativa reservada ao Poder Judiciário pela Constituição Federal, estabelecendo diretrizes, prazos e obrigações, sob pena de violação ao princípio da separação dos poderes".
A decisão ainda não transitou em julgado e com todo respeito que lhe é devido, nos traz certa preocupação, já que existem normas utilizadas como pilares para a atividade notarial e registral cuja autoria/origem não é de origem do Tribunal de Justiça Estadual (legislativo e executivo) e que, portanto, poderão com base no quanto decidido pela Suprema Corte, serem alvos de questionamentos.
[1] "Art. 96. Compete privativamente: I –  aos tribunais:  (…) b)  organizar suas secretarias e serviços auxiliares e os dos juízos que lhes forem vinculados, velando pelo exercício da atividade correicional respectiva; II –  ao Supremo Tribunal Federal, aos Tribunais Superiores e aos Tribunais de Justiça propor ao Poder Legislativo respectivo, observado o disposto no art. 169: (…) b)  a criação e a extinção de cargos e a remuneração dos seus serviços auxiliares e dos juízos que lhes forem vinculados, bem como a fixação do subsídio de seus membros e dos juízes, inclusive dos tribunais inferiores, onde houver; (…) d)  a alteração da organização e da divisão judiciárias;".
[2] "Art. 24 – A iniciativa das leis complementares e ordinárias cabe a qualquer membro ou Comissão da Assembleia Legislativa, ao Governador do Estado, ao Tribunal de Justiça, ao Procurador-Geral de Justiça e aos cidadãos, na forma e nos casos previstos nesta Constituição. (…) § 2º – Compete, exclusivamente, ao Governador do Estado a iniciativa das leis que disponham sobre: (…) 6 – criação, alteração ou supressão de cartórios notariais e de registros públicos
[3] "Artigo 17 – Lei a ser editada no prazo de quatro meses após a promulgação desta Constituição disporá sobre normas para criação dos cartórios extrajudiciais, levando-se em consideração sua distribuição geográfica, a densidade populacional e demanda do serviço. § 1º – O Poder Executivo providenciará no sentido de que, no prazo de seis meses após a publicação da lei mencionada no “caput” deste artigo, seja dado cumprimento a ela, instalando-se os cartórios. § 2º – Os cartórios extrajudiciais localizar-se-ão, obrigatoriamente, na circunscrição onde tenham atribuições".
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*Gabriela Maíra Patrezzi, advogada, bacharel em Direito pela Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC/MG); pós-graduada em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (IBET); pós-graduada em Direito Tributário das Empresas pelo Centro Universitário UNISEB-COC, pós-graduanda em Direito Notarial e Registral pela Faculdade de Direito de Ribeirão Preto de São Paulo – USP; membro da Comissão Especial de Direito Notarial e de Registros Públicos da OAB/SP.