Por Iuri Pinheiro
A existência de um adequado gerenciamento de riscos e eficaz sistema de controle interno é essencial para o cumprimento do programa de integridade, em conformidade com os normativos internos, externos e com os objetivos estabelecidos pela alta administração da empresa.
O CADE, em seu Guia Programas de Compliance, dispõe que: "A adoção de programas de compliance identifica, mitiga e remedia os riscos de violações da lei, logo de suas consequências adversas".
Sob o viés trabalhista, é muito importante que sejam avaliados os processos adotados pelo departamento pessoal, os registros documentais dos contratos de trabalho e a verificação de conformidade com a legislação trabalhista e demais normativos aplicáveis aos contratos de trabalho.
O sistema de controle interno deve trabalhar com a antecipação de riscos, com a adoção de medidas preventivas, detectivas e reativas.
O "Committee of Sponsoring Organizations of the Treadway Commission" (COSO) publicou a obra "Internal Control – Integrated Framework" com intuito de ajudar empresas e outras organizações a avaliarem e aperfeiçoarem seus sistemas de controle interno. O referido modelo tem sido adotado por diversas organizações, como, por exemplo, no Manual Gestão de Risco do Ministério da Justiça.
Além disso, outro normativo de especial relevância é a ISO 31000:2018 (Gestão de Riscos), que estabelece uma série de regras e diretrizes para implementação eficaz de um modelo de gestão de riscos.
O programa de compliance deve, portanto, estar integrado ao sistema de gerenciamento de riscos, com o mapeamento de todas as legislações e regulações às quais a empresa esteja sujeita, contemplando ações de mitigação envolvendo riscos de fraude, corrupção e infração à lei.
De mais a mais, o gerenciamento de riscos no âmbito trabalhista já é uma tarefa extremamente árdua diante do farto rol de normas aplicáveis às relações de trabalho e a multiplicidade de acomodações interpretativas, além da complexidade do relacionamento interpessoal.
E essa tarefa fica ainda mais complexa com a pandemia covid-19 porque os riscos se potencializam estratosfericamente.
Com efeito, o isolamento social e a quarentena abrem um leque muito variado de situações que podem ocorrer com o contrato de trabalho.
A Medida Provisória 927/2020 trouxe as seguintes opções: (i) o teletrabalho; (ii) a antecipação de férias individuais; (iii) a concessão de férias coletivas; (iv) o aproveitamento e a antecipação de feriados; (v) o banco de horas; (vi) a suspensão de exigências administrativas em segurança e saúde no trabalho; (vii) o direcionamento do trabalhador para qualificação; e (viii) o diferimento do recolhimento do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço – FGTS.
Ocorre que praticamente todas as medidas podem envolver riscos que não se limitam aos aspectos formais da medida provisória, tais como prazos e meios de registro de alterações contratuais.
Sem pretensão de exaurir o tema, aponto exemplificativamente alguns deles.
O teletrabalho sempre envolve preocupações relacionadas à ergonomia do ambiente de trabalho e possíveis doenças ocupacionais que possam surgir. Ainda nessa temática, a exclusão do direito a horas extraordinárias para o trabalhador em regime de teletrabalho sempre provoca discussões jurídicas, em virtude da possibilidade de a jornada poder ser controlada por meios telemáticos.
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No que se refere ao banco de horas, há o risco de questionamentos judiciais acerca da possibilidade de sua pactuação por meio de acordo individual, considerando o lapso temporal de até dezoito meses para realização de horas extraordinárias que visem promover a compensação de jornada não trabalhada. Para além disso, pode haver repristinação de discussão de validade de banco de horas negativo. Em que pese, novamente me pareça que a excepcionalidade da situação justifique esse tratamento excepcional, reitera-se que estamos cuidando de riscos.
Em relação à suspensão de exigências administrativas em saúde e segurança no trabalho, a previsão causa uma grande preocupação pela sua amplitude. É certo que existem exigências administrativas concentradas em expedientes burocráticos, tais como os requisitos de pleito eleitoral de CIPA, que, nesse momento, se revelam de difícil observância. Contudo, a extensão da previsão poderia sugerir a desnecessidade de medidas concretas de saúde e segurança, tais como requisitos técnicos de equipamentos de proteção coletiva ou individual, o que seria um contrassenso em um momento que vivemos uma insegurança de saúde pública e não resistira a um filtro de constitucionalidade porque o art. 7º, XXII, da CFRB proclama o Princípio do Risco Mínimo Regressivo.
O direcionamento do trabalhador para qualificação tinha seu regramento mais detalhado no art. 18 da MP 927/2020, que permitia a suspensão do contrato de trabalho por até quatro meses e sem garantia de salário nem contrapartida estatal, o que gerou grande preocupação e insatisfação da sociedade, mas a medida foi revogada pela MP 928/2020.
A despeito da revogação do art. 18 da MP 927/2020, cumpre esclarecer que o art. 476-A da CLT continua em vigor, permitindo a suspensão contratual pelo mesmo período, mas com a contrapartida de estatal de percepção do seguro-desemprego e desde que tenha sido convencionado através de negociação coletiva e aquiescência formal do empregado.
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Outro risco que precisamos elucidar nesse breve ensaio é sobre a possibilidade de rescisão contratual por força maior ou fato do príncipe.
Uma primeira observação a ser feita é que o reconhecimento de que a situação se enquadra em força maior pela MP 927/2020 não é suficiente para promover automaticamente a redução de indenizações da rescisão contratual. Isso porque, para tanto, o art. 502 da CLT exige a extinção da empresa ou de um de seus estabelecimentos, de modo que se a empresa continuar executando atividades já não se mostra cabível a o enquadramento.
Além disso, o referido art. 502 da CLT exige que a força maior "determine a extinção da empresa", de modo que será necessário demonstrar que o fechamento foi tão somente em virtude da suspensão de atividades por ato governamental.
Contudo, nem sequer se tem conhecimento de quanto tempo perdurará a suspensão de estabelecimentos, sendo extremamente arriscado já afirmar que a paralisação por alguns dias teria, por si só, tornado inviável o negócio empresarial. Ainda que se imagine uma suspensão de atividades por 40 dias, é complexo avaliar se ela seria suficiente, por si só, para provocar o fechamento do estabelecimento.
A análise será pontual, de acordo com o perfil de cada negócio empresarial, e de avaliação final, após melhor delineamento do alcance dos atos estatais.
As mesmas ponderações valem para o caso de fato do príncipe, que reflete uma modalidade de força maior e está detalhado no art. 486 da CLT.
É necessário, contudo, desmistificar uma falsa ilusão que tem pairado no cenário. Há quem imagine que, com o fato do príncipe, o empregador deixaria de ter qualquer responsabilidade, mas não é isso que se extrai do dispositivo transcrito, o qual menciona que a indenização ficaria a cargo do governo.
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Observação CM Advogados: Diante das muitas alterações legais promovidas pelos mais diversos tipos legislativos no cenário de incertezas promovido pelo Covid-19, é de extrema importância que a empresa esteja acompanhando e se adequando à nova, e temporária, realidade gerada por esses atos normativos. Nesse contexto, indispensável se faz que o organismo de compliance empresarial esteja atento e atualizado, moldando e editando as diretrizes empresariais para que se conformem à nova realidade, de modo a não permitir a ocorrência de irregularidades que posteriormente possam vir a prejudicar a saúde e a solidez da corporação quando o cenário de crise for superado.
Publicado no Jota.