A pessoa natural, dotada de personalidade jurídica, pode ser qualificada como aquela em que se atribuem direitos e obrigações na esfera civil. Desse entendimento, podemos inferir que o indivíduo é único e detentor de personalidade própria, exercida durante toda a sua vida, motivo pelo qual deve-se dar atenção aos direitos personalíssimos e a observância à dignidade da pessoa humana.
Pontes de Miranda (1) trata que a "política da igualdade é, pois, eminentemente prática. Atende às semelhanças, à identidade humana, sem desatender às diferenças". A identidade é conferida aos indivíduos de modo a assegurar o exercício de direitos e deveres fundamentais, bem como proporcionar a localização no sistema em que vive. Outra importante inferência dessa identificação decorre do fato de que o Estado consiga reconhecer a população, de modo proporcionar um melhor funcionamento de sua máquina pública, assim como promover e concretizar políticas públicas que atendam as reais necessidades sociais.
Observada que a identidade é tida como um direito basilar, o Conselho Nacional de Justiça – CNJ em parceria com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento – PNUD lançou no último dia 3 de agosto de 2021, ação nacional criando uma estrutura permanente que permite a identificação e emissão de documentos para a população carcerária. O objetivo é de que até agosto de 2022, toda a população prisional seja identificada civilmente.
Sob coordenação do Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução de Medidas Socioeducativas do CNJ (DMF/CNJ), a estrutura contará com uma base de dados unificada, que ficará sob responsabilidade do Tribunal Superior Eleitoral – TSE. O programa partiu do fato de que, segundo levantamentos, 80% das pessoas privadas de liberdade no Brasil – cerca de 600 mil – não possuem a identificação de documentos em suas fichas, o que resulta em adversidades quanto do acesso às políticas públicas.
Já iniciando os trabalhos de implementação da ação, foi fornecido mais de 5,4 mil ‘kits’ de coleta biométrica para todos os Tribunais de Justiça, Seções Judiciárias Federais e Circunscrições Judiciárias Militares do país, de modo a contemplar todas as entradas no sistema prisional. As distribuições ocorrerão até a primeira semana de setembro desse ano, momento em que as entidades serão capacitadas para a implementação e padronização dos processos de modo a alcançar os propósitos do projeto.
Por meio do Termo de Execução Descentralizada assinado em 2018 entre o CNJ e o Ministério da Justiça e Segurança Pública, que estabelece políticas de alternativas penais e monitoração eletrônica de pessoas, foi possível a aquisição dos "kits" biométricos que marcam o início da ação. A parceria é um dos alicerces do Programa Justiça Presente – que hoje é denominado Fazendo Justiça. Iniciada na gestão do ministro Dias Toffoli, enquanto presidente do CNJ, a estratégia é uma fração das 28 ações elaboradas para confrontar as inconstitucionalidades que marcam o sistema prisional brasileiro.
A iniciativa de criação da estrutura permanente, de modo a garantir a documentação e identificação da população que tenha tido contato com o sistema carcerário é inédita na América Latina e faz parte das ações executadas com o suporte do Ministério da Justiça e Segurança Pública, na busca por consecução de direitos fundamentais, que possibilitam acesso a programas sociais, cursos educacionais, atividades profissionalizantes, laborais e o próprio exercício da cidadania, combatendo os contratempos estruturais no campo da privação de liberdade.
Gustavo Cazuze


NOTAS
(1) MIRANDA, Pontes de. Democracia, liberdade, igualdade: os três caminhos. 2. Ed. São Paulo: Saraiva 1979.