Newsletter de Compliance - 41 Junho 2024
TRIBUTÁRIO
O papel do compliance tributário na prevenção dos crimes fiscais
Fonte: Folha de S. Paulo.
As discussões entre Fisco e contribuintes envolvendo o cumprimento de obrigações tributárias têm ocasionado, cada vez mais, desdobramentos também na esfera criminal. Para além da lavratura de autos de infração, com imposição de multas que alcançam patamares relevantes, as autoridades fiscais, tanto em âmbito federal, estadual e municipal, têm dado início a investigações criminais, em casos envolvendo alegação de descumprimento de regras tributárias.
Não é novidade que uma das maiores barreiras ao fomento de novos negócios no Brasil é a alta complexidade tributária. Contando com uma carga tributária elevada e um emaranhado de obrigações acessórias previstas em disposições legais esparsas, o país certamente oferece um ambiente desafiador para as empresas no que se refere à conformidade fiscal. Some-se a isso o fato de que o eventual descumprimento da legislação tributária não implica consequências meramente econômicas, mas, também, sérios desdobramentos na esfera criminal.
Atualmente, tem se observado uma postura mais "punitivista" por parte das autoridades fiscais, com a lavratura de autos de infração na esfera federal com imposição de multa qualificada de 150% do valor do tributo, inclusão de diretores como devedores solidários e na comunicação dos fatos às autoridades criminais, com a formalização de representações fiscais para fins penais, dentre outras medidas.
Essa tendência tem se refletido também na jurisprudência e na legislação brasileira.
Os tribunais superiores têm se dedicado cada vez mais à análise de casos envolvendo desdobramentos criminais decorrentes de autuações fiscais e previdenciárias.
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Nesse contexto, frente à complexidade das normas tributárias e da postura cada vez mais agressiva das autoridades fiscais, a instituição de práticas de compliance tributário ganha ainda mais importância para o empresariado nacional.
Além disso, o cenário atual de reforma tributária será desafiador para as empresas no Brasil; mas, ao mesmo tempo, poderá ser uma oportunidade para alavancar e sedimentar a importância do compliance também na esfera tributária.
As mudanças legislativas, de forma geral, sempre representam um sinal de alerta às empresas, que deverão se inteirar do que mudou e adotar mecanismos para se adaptar à nova realidade. É nesse momento de transição que ter sólidos mecanismos de controle, prevenção e detecção de riscos é essencial.
Boas práticas de compliance tributário não envolvem apenas o pagamento de tributos e a conformidade com obrigações acessórias, mas também a adoção de medidas prévias que podem evitar futuros problemas criminais aos representantes da empresa, lembrando que, na esfera criminal, a responsabilidade em relação a esse tipo de crime sempre recairá às pessoas físicas, ou seja, aos executivos, sócios e administradores da companhia autuada.
As práticas de compliance fiscal dependem, em boa medida, do setor econômico específico de cada empresa, bem como das particularidades da operação de cada contribuinte, e por isso que o primeiro passo será sempre uma avaliação de riscos, considerando essas características, em conjunto como uma análise do panorama legal tributário aplicável àquela companhia.
De forma geral, dentre as práticas usualmente adotadas, podemos citar a criação de um sistema de registro das transações realizadas, implementação de controles internos referentes à documentação fiscal e contábil, bem como à auditoria e cadastro de fornecedores e um constante programa de treinamentos para conscientização de colaboradores sobre as leis fiscais, de forma a evitar erros inadvertidos ou práticas ilegais.
Tais medidas geram valor não apenas por estarem prevenindo possíveis atos ilícitos e as contingências deles decorrentes, bem como por serem ferramentas na busca pela redução da carga tributária.
Assim, considerando o cenário atual, o compliance tributário deve estar no topo de prioridades das empresas que atuam no Brasil, da mesma forma que os programas anticorrupção, ou medidas de ESG. Quanto mais cedo essas medidas forem implementadas, mais sólida será a proteção contra potenciais problemas de ordem não só tributária, mas também criminal.
Observação CM Advogados: O compliance tributário é essencial no atual cenário brasileiro, onde a complexidade das normas fiscais e a postura agressiva das autoridades trazem não apenas altas multas, mas também riscos criminais que podem afetar executivos. Assim, implementar práticas sólidas de compliance, como controles internos e programas de treinamento, é fundamental para evitar problemas futuros, especialmente com a reforma tributária em andamento. Portanto, adaptar-se rapidamente às novas regras é crucial para prevenir ilícitos e otimizar a carga tributária, colocando o compliance tributário no mesmo nível de importância que programas anticorrupção e medidas de ESG, sendo vital para a proteção e eficiência das empresas.
TECNOLOGIA
Uso de dispositivos pessoais para fins corporativos: sim, não ou talvez?
Fonte: LEC News.
https://lec.com.br/uso-de-dispositivos-pessoais-para-fins-corporativos-sim-nao-ou-talvez/
A preocupação com a utilização de dispositivos eletrônicos pessoais para fins corporativos está em ascensão e se tornou um ponto de atenção a nível mundial. Em março de 2023, o Departamento de Justiça dos Estados Unidos da América (Department of Justice ou “DOJ”) anunciou uma nova orientação sobre o uso de dispositivos pessoais e a retenção de comunicações corporativas. A preocupação do DOJ em relação ao uso de dispositivos pessoais e aplicativos de mensagens de terceiros vem crescendo há anos, à medida que esses aplicativos têm contribuído para problemas de preservação de dados que dificultaram investigações internas de empresas, bem como investigações do próprio DOJ.
Essa nova orientação amplia o escopo da diretriz emitida pela autoridade norte-americana em setembro de 2022 conhecida como Avaliação de Programas de Conformidade Corporativa (Evaluation of Corporate Compliance Programs ou “ECCP”), que aconselha que todas as empresas deveriam ter políticas eficazes que regulassem o uso de dispositivos pessoais e plataformas de mensagens de terceiros para comunicações corporativas. Dessa forma, promotores norte-americanos são explicitamente instruídos a considerarem a abordagem de uma empresa quanto ao uso de aplicativos de mensagens e “comunicação efêmera” em dispositivos pessoais. Isso porque, por exemplo, crimes, fraudes e acordos entre concorrentes podem acontecer por meio de comunicações informais de funcionários, que unilateralmente podem controlar fluxos de informações, bem como editar ou apagar evidências para evitar o conhecimento das empresas e das autoridades públicas.
A partir das orientações emitidas pelo DOJ, muitas empresas têm buscado implementar mecanismos que garantam a adequação e eficácia de seus programas de conformidade, como por exemplo, melhoria ou criação de políticas internas e termos de compromisso, realização de treinamentos com foco na utilização de dispositivos pessoais para fins de trabalho, bem como implementação de metodologias tecnológicas que garantam a integridade de coleta, análise e preservação de dados que tenham sido extraídos de dispositivos pessoais de empregados para fins de investigação interna. Há empresas que passaram a vedar comunicações profissionais em dispositivos pessoais e/ou em aplicativos de comunicação efêmera (e.g., WhatsApp e Telegram), ainda que em dispositivos corporativos. A preocupação envolve não apenas a deleção de evidências, como também o acesso e a retenção de dados sensíveis do empregador e de clientes após o desligamento de um funcionário.
Esse tema em geral não está em discussão apenas no exterior. Em linha com preocupações do DOJ, em maio de 2024 o Superior Tribunal Justiça (“STJ”) demonstrou ceticismo com relação a provas coletadas diretamente em um aparelho celular. O STJ decidiu que são inadmissíveis em processo penal provas obtidas de celular quando não forem adotados procedimentos para assegurar a idoneidade e a integridade dos dados extraídos, uma vez que evidências digitais podem ser facilmente alteradas por empresas, investigados, autoridades públicas e por hackers, muitas vezes de maneira imperceptível.
Segundo o STJ, para que evidências digitais advindas de aparelho celular (ou outro dispositivo) sejam válidas, é necessário “testar o DNA” da prova – e isso vale para todos os envolvidos em uma investigação ou processo. Dessa forma, é de extrema importância que empresas invistam em ferramentas que identificam e formalizam a custódia e tratamento de dados, sob pena de verem anuladas as evidências que pretendem utilizar a favor ou contra seus próprios interesses. É indispensável que todas as fases do processo de obtenção de provas digitais sejam documentadas, cabendo às empresas e autoridades públicas, além da adequação de metodologias tecnológicas que garantam a integridade dos elementos extraídos, o devido registro das etapas da cadeia de custódia, de modo que sejam asseguradas a autenticidade e a integralidade dos dados.
Esse tema deve ser visto com atenção, afinal hoje é quase inviável não utilizar dispositivos eletrônicos no dia-a-dia dos negócios. Diretrizes emitidas internacionalmente e decisões judiciais recentes no Brasil servem de baliza e são fontes úteis para empresas criarem e avaliarem a eficácia de seus programas de Compliance no que toca ao uso de dispositivos eletrônicos, em especial pessoais. À luz dos riscos e das particularidades de sua empresa, é necessário avaliar se a pergunta do título deste artigo deve ser respondida com sim, não ou talvez.
Observação CM Advogados: A crescente preocupação com o uso de dispositivos pessoais para fins corporativos destaca problemas significativos na preservação de dados, complicando investigações internas e externas. O Departamento de Justiça dos EUA e o STJ no Brasil enfatizam a necessidade de políticas rigorosas para evitar a deleção de evidências e assegurar a integridade dos dados. A solução para esse problema está no fortalecimento dos programas de compliance das empresas. Implementar políticas internas claras, realizar treinamentos sobre o uso de dispositivos pessoais, e adotar tecnologias que garantam a integridade dos dados coletados são medidas essenciais. Essas ações ajudam a proteger as empresas contra riscos legais e asseguram a conformidade com as diretrizes internacionais e decisões judiciais, garantindo a integridade e autenticidade das provas digitais.
CORPORATIVO
O papel decisivo do compliance criminal no ESG.
Fonte: Valor Econômico.
LINK: https://valor.globo.com/empresas/esg/artigo/o-papel-decisivo-do-compliance-criminal-no-esg.ghtml
Quando o assunto é ESG, o foco geralmente são as duas primeiras letras da sigla, que representam meio ambiente e social. Fala-se menos sobre a importância do “G”, de governança, mas é justamente esse o pilar que garante que as ações das outras duas letras sejam efetivas e que toda a operação de uma empresa funcione a contento. Uma boa governança pode direcionar uma companhia para o cumprimento do seu planejamento estratégico, além de minimizar riscos e impactos negativos e potencializar efeitos positivos.
Uma das atuações mais relevantes dentro da governança corporativa é o compliance, também conhecido como conformidade legal, do qual é parcela imprescindível o compliance criminal. Casos recentes de companhias envolvidas em denúncias de crimes digitais, pirâmide financeira e lavagem de dinheiro comprovam sua relevância. Não é coincidência que os custos globais de empresas com compliance contra crimes financeiros, por exemplo, já superem os US$ 206 bilhões, segundo um estudo da LexisNexis. Só na América Latina, o investimento foi de R$ 15 bilhões, liderado pelo Brasil.
Ainda assim, uma estimativa da consultoria estratégica McKinsey indica que as fraudes corporativas fazem as empresas da região perderem cerca de US$ 130 bilhões por ano. Mais da metade (57%) delas alega que o impacto representa cerca de 5% do Ebitda (lucro antes de pagamento de juros e amortização).
Na governança corporativa, o compliance criminal ajuda negócios de todos os tamanhos. É esse tipo de prática a responsável por implantar procedimentos para evitar condutas ilícitas por parte de colaboradores – principalmente nos níveis hierárquicos mais altos, como diretores e gerentes – e zelar pelo cumprimento de leis, regulamentos e contratos.
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A necessidade se torna ainda mais imperativa em um cenário de pressão para empresas se adequarem às práticas ESG, tanto por parte da sociedade quanto dos governos, com regulamentações cada vez mais incisivas e complexas. Aliado a isso, órgãos reguladores como o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), estão com o olhar cada vez mais vigilante sobre o tema. Por isso, além de entrar em conformidade legal, também é necessário estimular uma cultura de regularidade em todas as etapas da operação e níveis hierárquicos, além de manter-se atento à atuação dos parceiros (ou, no jargão do compliance criminal, Know Your Client), já que, muitas vezes, as empresas podem responder por problemas em sua cadeia fornecimento. Só assim uma organização vai conseguir se antecipar e manter regularmente uma prática empresarial livre de riscos dessa natureza.
Os ganhos com a adoção de uma prática robusta de conformidade, inclusive quanto às normas penais, são muitos. Empresas que demonstram um compromisso sólido com a conformidade são vistas como mais confiáveis e éticas, o que naturalmente atrai clientes, investidores e parceiros. Riscos jurídicos são reduzidos, há uma tendência de melhoria da reputação a longo prazo e até mesmo na eficiência operacional. No entanto, não se cria uma atuação dessa do dia para a noite. Além de uma consultoria jurídica adequada, capaz de desenvolver estratégias eficazes para mitigar riscos, proteger a reputação e garantir a sustentabilidade a longo prazo, é preciso cumprir algumas etapas.
A primeira é a adoção de um programa contínuo de educação e treinamento para todos os funcionários, desde a alta administração até os níveis de base. As políticas e procedimentos a serem implementados precisam ser claros e detalhar as expectativas de conformidade, com fácil acesso a todos os colaboradores.
Outro ponto importante são as ações de monitoramento e auditoria que visam garantir que essas políticas estejam sendo seguidas. Auditorias internas regulares ajudam na identificação e correção de possíveis desvios, antes de se tornarem problemas maiores.
Depois, a organização deve criar uma comunicação de mão dupla com os seus colaboradores. Canais de comunicação confidenciais onde eles se sintam confortáveis para relatar preocupações ou possíveis violações de conformidade sem medo de retaliação são crucias para a criação de uma cultura de transparência.
Por último, é necessário estabelecer responsabilidades e consequências claras para o não cumprimento das normas. Nesse sentido, é a alta administração que deve liderar pelo exemplo, demonstrando um compromisso inabalável com a conformidade.
Em um mundo onde a disrupção é a regra, a pergunta não é "se" sua empresa está preparada para enfrentar os desafios do compliance criminal, mas sim "quando" a próxima crise a colocará à prova. A conformidade legal não é mais um diferencial, mas um imperativo estratégico para navegar no mar turbulento do mercado atual. Ignorar essa realidade não é apenas arriscado, é nadar em direção à própria extinção.
Observação CM Advogados: A governança corporativa é crucial para as práticas do ESG (Environmental, Social, Governance), permitindo que empresas minimizem riscos e maximizem impactos positivos. O compliance criminal, parte vital dessa governança, previne condutas ilícitas e garante conformidade com leis e regulamentos, através de programas robustos que incluem educação contínua, treinamentos e monitoramento regular, com canais para reporte de violações, demonstrando compromisso com a conformidade. Portanto, essas práticas reduzem riscos legais, melhoram reputações, atraem investidores e aumentam eficiência operacional, fundamentais para o sucesso sustentável das empresas.
Colaboradores responsáveis:
Marco Aurélio de Carvalho – OAB/SP 197.538
Celso Cordeiro de Almeida e Silva – OAB/SP 161.995
Aline Cristina Braghini – OAB/SP 310.649
Humberto Moraes Uva – OAB/SP 501.254