COMPLIANCE

A moralidade de Fuller nos programas de compliance

Fonte: Migalhas.

A ideia de compliance tomou força nos EUA na década de 1970, sobretudo com a criação do Foreign Corrupt Practices Act – FCPA, em 1977, durante o Governo Carter. No Brasil, foi a Lei Anticorrupção (lei 12.846/13) que consolidou de forma mais concêntrica os temas relacionados à conformidade.

De toda forma, após a promulgação da lei 12.846/13, somente 4% das empresas brasileiras sujeitas às normas afirmam não possuir um setor de Compliance (ou equivalente), o que parece ser um grande caso de sucesso, prima facie. Mas, apesar da “viralização” do termo e da criação desse setor nas organizações, será que os Programas de Compliance são, de fato, efetivos?

Para melhor análise é importante termos em mente algumas definições. Compliance, de modo geral, é “estar em conformidade” com as leis, normas e regulamentos vigentes, além de exercer as denominadas boas práticas. Para atingir tal conformidade, todavia, se faz necessária a adoção de procedimentos internos, como um Programa de Integridade – um conjunto das regras de condutas de pessoas e da empresa, enquanto pessoa jurídica.

Na sua obra A moralidade do Direito, Lon Fuller desenvolve a ideia de que o Direito é um “empreendimento humano sujeito à governança de regras”, um “esforço orientado com propósito específico”. Para ele, a moral e o Direito estão indispensavelmente atrelados, sob pena de invalidação desse sistema jurídico.

O que se pode perceber a partir da obra de Fuller é que a Moral, defendida como (procedimentalmente) intrínseca ao direito, também é um sistema de Compliance efetivo. Isto porque, é a Moral que regula as condutas humanas (e orientará o esforço) em busca de um objetivo empresarial (propósito específico), ainda que praticadas sob as vestes da pessoa jurídica.

Os perigos, contudo, ocorrem, dentre outras formas, por meio de banalizações feitas em relação aos conceitos relevantes ao tema. Implementar um programa de Compliance vai muito além da mera criação de um setor, da destinação orçamentária e da disponibilidade de pessoas para a tarefa. É necessário engajamento, principalmente da alta direção, a fim de que sejam disseminados e aplicados, em todos os níveis, os princípios e as condutas gerais e próprias de cada organização.

Nesse cenário, com ambientes corporativos cada dia mais complexos, a mera adequação às normas mais amplas e aos regramentos específicos não afasta mais os riscos inerentes à atividade empresarial. Um sistema de integridade, que possa ser realmente efetivo, por sua vez, criará um ambiente procedimental e autossustentável de conformidade, o que desembocará na construção de uma boa reputação da companhia e na melhora da confiança de seus stakeholders. A cultura organizacional marcada positivamente pela conformidade é o ponto máximo que as empresas deveriam buscar.

Observação CM Advogados: Assegurar a integridade empresarial por meio do compliance, que envolve a aderência a leis, regulamentos e boas práticas, é de suma importância. No entanto, é crucial evitar a simplificação excessiva de conceitos relacionados ao compliance, pois sua implementação vai além das estruturas organizacionais, exigindo um comprometimento substancial, especialmente por parte da alta liderança. Portanto, a presença de um sistema de integridade eficiente é fundamental para criar um ambiente de conformidade autossustentável, contribuindo para a construção de uma reputação sólida e a confiança duradoura dos stakeholders.


SUSTENTABILIDADE

Consciência, consistência e coerência nas organizações Engloba ESG também nas reuniões, eventos e apoios corporativos

Fonte: LEC News.

Os conceitos e as práticas ESG estão (felizmente) crescendo no Brasil, mas ainda há um longo caminho a percorrer, inclusive, para que as organizações percebam a importância de fomentar essa importante evolução corporativa no tocante às externalidades.

Na mesma linha, outro aspecto fundamental que precisa ser melhor compreendido pelas organizações é a importância da consistência e da coerência no tocante a todas as suas atividades, inclusive com relação a reuniões, a eventos corporativos e "apoios" em geral.

A empresa "é uma só" e, ao pretender abraçar valores fundamentais como programas e políticas sérias e robustas, relativas à boa governança corporativa e ao compliance, precisa demonstrar essa unidade em todas as situações

Frequentemente observamos que mesmo organizações que se dizem conscientes e responsáveis, parecem se esquecer de que certas práticas ligadas às bases ESG precisam estar presentes em todos os momentos, em todos os lugares e em todas as situações, sob pena de abalar a imagem.

O cenário já está mudando e melhorando, mas ainda se vê organizações que não tomam o mesmo cuidado com relação às questões ambientais e sociais em reuniões, por exemplo, utilizando plástico em pratos, copos e garrafas, bem como em lanches, refeições e "coffee-breaks", ainda usarem sacolas e embalagens plásticas, além de nem sempre oferecerem alimentação e bebidas efetivamente saudáveis e equilibradas, e terem recipientes para o descarte adequado e seletivo de resíduos.

Também se observa pouco cuidado com o espaço em salas e corredores para os deficientes físicos, em especial cadeirantes, que por vezes não conseguem "trafegar", ou mesmo chegar a partes elevadas do recinto em alguns casos. Esquecem-se, ainda, nessas situações, de que pessoas com necessidades especiais precisam de apoio, de acompanhamento e também de mais espaço para se locomover, além de muitas vezes precisarem de piso tátil ou sinalização sonora.

[…]

São cuidados extremamente importantes, para os quais mesmo organizações que já se mostram preocupadas com a questão ESG se esquecem de ser coerentes no tocante a todos os espaços, momentos e eventos.

Situação semelhante se observa em eventos corporativos como convenções, seminários, congressos, feiras e exposições de demais situações de convivência de muitas pessoas.

Infelizmente, ao menos a maioria dos organizadores desses eventos – e das próprias empresas patrocinadoras – ainda não se mostra efetivamente preocupada com essas questões, o que, na prática, tem impedido que diversos públicos consigam comparecer ou participar, ou ao menos não são adequadamente acolhidos e respeitados.

[…]

Espera-se que rapidamente as organizações desses eventos, bem como as empresas que fornecem espaços, estrutura e serviços para eles, passem a se preocupar com essas questões de forma efetiva e clara.

Em paralelo, esperamos que, em breve, também as autoridades modernizem as legislações e seus critérios para autorizações de espaços e eventos, e passem a considerar os temas ESG, e de sustentabilidade em geral, em suas avaliações.

[…]

Vemos, também, que, por conta da nova realidade mundial, que em grande parte privilegia o "mundo digital", muitos escritórios, empresas em geral, agências, escolas e faculdades, clubes etc. estão sendo "modernizados e reformulados", adotando novos conceitos, mas em geral sem essa preocupação com o ESG.

E o que aqui destacamos é que mesmo as organizações que se dizem preocupadas com a pauta ESG, nem sempre demonstram o mesmo cuidado ao organizar, participar, promover, realizar, patrocinar, ou mesmo apoiar, reuniões, encontros, eventos, cursos, palestras etc.

Nesses casos, talvez algumas organizações "se esqueçam" de que ao participar, ou mesmo "apenas" patrocinar e/ou apoiar eventos e reuniões, ou distribuir brindes, que não contemplem esse cuidado e esse respeito com as pessoas e com o meio ambiente, estão abalando e ferindo fortemente a sua própria política e a sua própria imagem.

Recomenda-se, portanto, que as organizações fiquem atentas e tomem os cuidados necessários para que em suas reuniões e eventos, próprios ou coletivos, as pessoas e o meio ambiente sejam efetivamente levados em conta, considerando todo o contexto e todos os itens pertinentes – como, por exemplo, do lanche ao brinde, do microfone à audiodescrição e à comunicação em libras, do cuidado com a alimentação e a bebida, ao adequado descarte de resíduos passando pela acessibilidade e a mobilidade.

Precisamos efetivamente reduzir ou eliminar o plástico, respeitar as pessoas, fomentar práticas mais respeitosas e sustentáveis, e prestar bastante atenção aos critérios para "empréstimo" da imagem das organizações.

[…]

Observação CM Advogados: Apesar do notável avanço das práticas ESG (Ambiental, Social e Governança) no Brasil, algumas organizações ainda negligenciam esse importante conceito. Isso se deve à falta de compreensão dessas empresas sobre a relevância da consistência e coerência em todas as suas atividades empresariais, incluindo reuniões, eventos corporativos e apoios em geral.

Nesse sentido, é fundamental reconhecer que uma empresa é um conjunto que engloba diversas áreas. Portanto, ao buscar aderir valores fundamentais, como programas e políticas sólidas relacionadas à boa governança corporativa e ao compliance, é crucial incorporar essa preocupação em todas as situações. Isso visa evitar potenciais danos à imagem da empresa e assegurar uma abordagem uniforme e alinhada com tais princípios em todas as suas operações.


GOVERNANÇA

Compliance concorrencial: controvérsias do excesso de cautela reputacional

Fonte: Conjur.

O fortalecimento da agenda anticorrupção levou ao florescimento dos temas afetos à conformidade e ao compliance. Nesse cenário, o excesso de cautela reputacional pode causar efeitos adversos — inclusive em matéria de compliance concorrencial. Isso porque o ato de vedar sem qualquer fundamento razoável a contratação de terceiro — ou até mesmo impedi-lo de participar de certames como as cartas-convite — tem consequências diretas à concorrência do setor.

Sob uma perspectiva macro, esse tipo de "boicote" revela-se uma prática anticoncorrencial à medida que enfraquece a participação da empresa em um mercado que se torna mais concentrado. Sob um viés interno da própria pessoa jurídica que promove o boicote, a prática representa uma contradição econômica, já que o player seria uma opção a mais dentre as alternativas da empresa contratante; ao ser preterido, o cenário que se impõe à contratante é de um provável aumento dos valores propostos para o contrato que deseja firmar, porquanto conta com menos um possível prestador entre os concorrentes.

[…]

A prática das restrições verticais (ou acordos verticais), se devidamente comprovada, constitui clara violação à lei antitruste. Esse é um argumento sólido para defender a posição de que um concorrente somente deve ser alijado de processos negociais se existirem evidências ou indícios suficientes de que ele não cumpre os critérios básicos da agenda do compliance e da integridade; caso contrário, existe a possibilidade de restar configurada conduta anticoncorrencial por parte da pessoa jurídica contratante, ainda que a intenção por trás da conduta seja nobre e de caráter preventivo.

Frise-se que a estrutura de integridade tem o condão de qualificar a atuação da pessoa jurídica por meio da estruturação de políticas e práticas que tragam segurança e eficiência para a organização. O compliance, nesse sentido, é um mecanismo de otimização das relações jurídicas e não deveria ser ferramenta de persecução penal ou mesmo de cancelamento em detrimento das pessoas jurídicas. Ou seja, a cautela excessiva com o compliance pode acabar implicando no descumprimento a determinados ditames da própria estrutura de compliance, inclusive em sua ramificação concorrencial.

Observação CM Advogados: Programas de conformidade e de compliance são essenciais para garantir a integridade da empresa. No entanto, a adoção excessiva de precauções reputacionais pode ter efeitos negativos, especialmente no âmbito do compliance concorrencial. Proibir a contratação de terceiros sem justificativa razoável ou impedi-los de participar de processos licitatórios pode prejudicar a concorrência no setor. Essa prática revela-se anticoncorrencial, enfraquecendo a participação das empresas em mercados mais concentrados.

Neste sentido, o compliance deve ser utilizado como um meio de otimizar as relações jurídicas e não como uma ferramenta usada para perseguir ou prejudicar outras pessoas jurídicas, pois a excessiva prudência com o compliance pode levar ao não cumprimento de certas diretrizes da própria estrutura de conformidade, especialmente em sua vertente concorrencial.


Colaboradores responsáveis:

Marco Aurélio de Carvalho – OAB/SP 197.538
Celso Cordeiro de Almeida e Silva – OAB/SP 161.995
Aline Cristina Braghini – OAB/SP 310.649
João Paulo Dias Morandini – OAB/SP 453.207
Humberto Moraes Uva