Memorando: STF suspende liminarmente a eficácia dos artigos 29 e 31 da MP 927/2020
Em 11 de março de 2020, a Organização Mundial de Saúde (OMS) declarou situação de pandemia global por conta do sars cov 2, vírus causador da enfermidade Covid-19.
Diante do alastramento do novo corona vírus, autoridades de saúde do mundo todo passaram a alertar governantes sobre a necessidade de adoção de medidas restritivas de circulação de pessoas. Com base nessas orientações, muitas atores executivos brasileiro optaram pela suspensão de todas as atividades e serviços privados considerados não essenciais.
Por óbvio, a paralisação das atividades econômicas trará efeitos danosos – já sentidos – à economia nacional e internacional.
Como forma de buscar conter os estragos econômicos da pandemia, o Governo Federal passou a editar sistematicamente Medidas Provisórias, Decretos Executivos, Projetos de Lei e, até mesmo, propostas de emenda à Constituição. Dentre as principais medidas, é de se notar a liberação de crédito extraordinário à diversos setores da sociedade e economia, afrouxamentos fiscais e uma tentativa de amortização dos prejuízos aos empresários para desacelerar o agravamento do quadro de desemprego estrutural arraigado no Brasil.
Sob o argumento de socorro ao empresariado nacional e como forma de manutenção do emprego, numa edição extra do Diário Oficial da União (DOU), publicada em 22 de março de 2020 (domingo), o Governo Federal presentou a Medida Provisória (MP) 927. Das várias alternativas propostas nesse instrumento, cabe-nos, por ora, pontuar duas:
Art. 29. Os casos de contaminação pelo coronavírus (covid-19) não serão considerados ocupacionais, exceto mediante comprovação do nexo causal.
Art. 31. Durante o período de cento e oitenta dias, contado da data de entrada em vigor desta Medida Provisória, os Auditores Fiscais do Trabalho do Ministério da Economia atuarão de maneira orientadora, exceto quanto às seguintes irregularidades:
I – falta de registro de empregado, a partir de denúncias;
II – situações de grave e iminente risco, somente para as irregularidades imediatamente relacionadas à configuração da situação;
III – ocorrência de acidente de trabalho fatal apurado por meio de procedimento fiscal de análise de acidente, somente para as irregularidades imediatamente relacionadas às causas do acidente; e
IV – trabalho em condições análogas às de escravo ou trabalho infantil.
Os dispositivos acima transcrito foram alvo de inúmeras críticas, assim como todo o texto legal, principalmente por disporem direta e indiretamente de normas sobre a saúde, segurança, higiene e conforto dos trabalhadores, normas de ordem pública que versam sobre o direito fundamental à saúde e que, no ordenamento jurídico nacional, gozam de status de quase intangibilidade.
Além disso, não é segredo que a situação pandêmica que vivemos acabou por se tornar palco de uma verdadeira guerra política, em que decisões, muitas vezes, são tomadas tendo em vista o eleitorado, não a racionalidade.
Em meio a esse conturbado cenário sócio-político-econômico, partidos políticos (PDT, Rede Sustentabilidade, PSB, PCdoB e Solidariedade) e confederações obreiras (Confederação Nacional dos Trabalhadores Metalúrgicos e Confederação Nacional dos Trabalhadores na Indústria) emergiram contra a constitucionalidade da MP 927, ajuizando perante o Supremo Tribunal Federal (STF) 07 (sete) ações diretas de inconstitucionalidade (ADIs).
Em 26/03/2020, a Ministro Marco Aurélio indeferiu o pedido liminar de suspensão da MP 927 em todas as ADIs e, posteriormente, retificou seu posicionamento pela manutenção da integralidade do texto legal.
No dia 29/04/2020 (quarta-feira), foi a vez do Plenário do STF se manifestar.
Os Ministros Dias Toffoli e Gilmar Mendes acompanharam Marco Aurélio pela manutenção do texto da MP 927.
Já Alexandre de Moraes inaugurou as ressalvas quanto aos artigos 29 e 31 supratranscritos, sob o argumento, justamente, de que as alterações trazidas nesses dispositivos são prejudiciais aos trabalhadores, em especial, aos da área da saúde.
Argumentou que a imposição do ônus de comprovar o contágio no ambiente laboral ao empregado configuraria prova diabólica.
Os Ministros Edson Fachin, Rosa Weber, Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski e Luiz Fux, seguiram Alexandre de Moraes pela suspensão dos dois artigos. Luís Roberto Barroso entendeu pela suspensão apenas do 29º.
Entre algumas divergências aqui, outras acolá, dos 11 (onze) Ministros do STF, 07 (sete) votaram pela suspensão do art. 29 e 06 (seis) pela suspensão do art. 31, restando suspensa/afastada a eficácia desses dois artigos.
Ressalta-se, contudo, que a decisão foi proferida no julgamento de medida liminar, ou seja, provisória, podendo ser revista.
Ainda, há de se memorar que decisões de caráter liminar proferidas pelo STF, em regra, têm eficácia ex nunc e erga omnes, ou seja, produz efeitos a partir da prolação do Decisum atingindo à todos os jurisdicionados pelo Corte.
Dessa forma, na literalidade da matéria constitucional, àqueles que contraíram Covid-19 entre os dias 22 de março de 2020 (publicação da MP 927) e 29 de abril de 2020 (data do julgamento da liminar que suspendeu os efeitos do art. 29 da MP 927), só terão a enfermidade considerada ocupacional se comprovado o nexo causal.
Ainda, a partir da Decisão, os auditores fiscais doo trabalho podem voltar a atuar de maneira incisiva mesmo durante o período de calamidade pública.
Por fim, conforme assinalado, quando se trata de possíveis ações atentatórias a direitos fundamentais – no caso à saúde – o judiciário nacional costuma ser rígido implacável no sentido de impossibilidade de relativização. Nessa senda, salientamos que não deve ser surpresa eventuais decisões pró saúde do trabalhador, ainda que com potencial lesividade, prejudicado o empresariado por conta da pandemia e acentuando a consequente recessão econômica.
Por ora, era o que nos cabia pontuar.
CM Advogados – Equipe Trabalhista