Julgamento sobre possibilidade de transferência de imóvel por procuração particular é adiado no STJ
O Agravo Interno em Recurso Especial nº 1.894.758 (AgIn em REsp nº 1.894.758) coloca sob análise da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça relevante tema envolvendo a transferência de bens imóveis, ao debater a validade de uma transferência realizada utilizando-se de uma procuração em causa própria, perpassando sobre a tese se tal instrumento particular pode consubstanciar título translativo de propriedade de imóvel e, em caso afirmativo, quais os requisitos para tal configuração.
Este recurso teve origem em uma ação declaratória de nulidade de negócio jurídico, ajuizada por herdeiros da antiga proprietária, já falecida, no tocante a transferência de um apartamento realizado por ela a seu sobrinho, mediante procuração particular em causa própria, sem firma reconhecida em cartório.
Argumentou-se a suposta existência de simulação no negócio e a impossibilidade de se transferir a propriedade do imóvel em questão mediante a procuração particular, uma vez que a escritura pública é elencada como essencial à validade dos negócios jurídicos relativos à direitos reais sobre imóveis de valor superior a trinta vezes o maior salário mínimo vigente no País, nos termos do artigo 108 do Código Civil.
A demanda foi julgada procedente em sede de apelação pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios, que declarou o negócio jurídico nulo por não se revestir da forma prescrita em lei, qual seja, a escritura pública.
Entretanto, o Recurso Especial interposto foi provido monocraticamente pelo Ministro Luís Felipe Salomão, relator do caso, que entendeu ser equivocada a afirmação de que procuração particular precisaria obedecer aos mesmos requisitos impostos ao contrato de compra e venda para transferência da propriedade de bem imóvel. Isto porque, segundo ele, estes dois instrumentos possuem naturezas jurídicas diversas, "porquanto a procuração é negócio jurídico unilateral, enquanto que o contrato de compra e venda é negócio jurídico bilateral"; sendo possível, ainda, que mais de um negócio jurídico esteja contido em um mesmo instrumento.
Em sua decisão, assim fez constar: "Diferentemente da compra e venda – que deve ser celebrada por escritura pública quando tiver por objeto bem imóvel de valor superior a trinta vezes o salário mínimo vigente no país (Art. 108, CC/2002) – pode a procuração in rem suam, em atenção ao princípio da liberdade das formas, ser outorgada tanto por instrumento particular quanto por instrumento público, nada disso interferindo em sua existência ou validade".
Destacando que "a procuração em causa própria não é – nem pode vir a ser – título translativo de propriedade, sob pena de se abreviar institutos jurídicos e burlar regras jurídicas há muito consagradas e profundamente imbricadas no sistema jurídico nacional, notadamente negócios deverá preencher seus próprios elementos de existência e requisitos de validade", o Excelentíssimo Ministro elucida que este instrumento, em verdade, confere poderes ao procurador para, agindo em nome do outorgante, mas no seu próprio interesse, devendo o procurador respeitar as formalidades legais previstas para a transferência dos direitos, para exercer o poder formativo dispositivo de que é titular, em atenção à parte final do art. 685 do Código Civil.
Desse modo, considerando que do inteiro teor da procuração objeto do feito cumpre todos os requisitos insculpidos no art. 685 do Código Civil e que que foram praticados, posteriormente, todos os atos jurídicos indispensáveis à transmissão da propriedade imobiliária no direito brasileiro, foi dado provimento ao recurso especial para julgar improcedentes os pedidos formulados na ação declaratória de nulidade.
Interposto Agravo Interno, estes foram incluídos para julgamento na Sessão Extraordinária da Quarta Turma de 5 de agosto de 2021. Contudo, restou adiado em decorrência do pedido de vista da Ministra Isabel, restando pendente, portanto, a definição do entendimento colegiado do Superior Tribunal de Justiça sobre o tema.
Mariana Faciroli