A Constituição Federal de 1988 se estabelece, imprescindivelmente, como o centro de validade do sistema jurídico, possibilitando as compatibilidades formais e materiais dos demais ramos do direito aos preceitos constitucionais e, acima de tudo, dando embasamento à dignidade humana, com fundamento nos princípios da unidade do ordenamento e da supremacia da Lei Fundamental.
Frente a isso, tem-se no ordenamento jurídico, forte discussão sobre a validade constitucional do denominado “Direito ao esquecimento”.  A vertente que ora se debate é o direito que uma pessoa possui de não permitir que um fato, ainda que verídico, ocorrido em determinado momento de sua vida, seja exposto ao público em geral, causando-lhe sofrimento ou transtornos.
O conceito de direito ao esquecimento tem sido muito discutido no judiciário, devido ao enorme número de casos pedindo a remoção de conteúdo. De um lado tem a liberdade de expressão e informação. De outro lado, os direitos a honra, intimidade, privacidade e ressocialização. É um conflito de direitos fundamentais importantes. Direito ao esquecimento trata-se de uma ponderação de valores. É possível adotar ferramentas para proteger a liberdade de expressão sem expor as pessoas, sendo importante avaliar a utilidade social de determinada notícia.
O tema voltou a ter grande repercussão midiática face ao “boom” da internet no mundo. A globalização, como forma de maior acesso à rede de computadores e, com isso, uma maior rapidez na divulgação e propagação de notícias e informações, faz com que os fatos ocorridos no passado sejam eternizados.
Sobre o tema, o Supremo Tribunal Federal (STF) julgará se existe o direito ao esquecimento no Brasil. O julgamento tem repercussão geral e deverá orientar outros tribunais. No caso em tela será analisada a aplicação do direito ao esquecimento e também a possibilidade dos familiares poderiam reivindicarem o direito ao esquecimento. O assunto está atualmente em discussão no STF, por conta do Recurso Extraordinário n.º 1.010.606/RJ, que provavelmente definirá o entendimento da Corte sobre o tema. Na ação figuram, de um lado, os irmãos de Aída Curi e, de outro, a empresa Globo Comunicação e Participações S/A, responsável pela Rede Globo. Aída Curi foi estuprada e assassinada no Rio de Janeiro em 1958. A família de Aída ingressou na Justiça requerendo indenização, com base no direito do esquecimento, por conta do episódio de seu crime reconstituído em 2004 pelo programa Linha Direta, da TV Globo.
Resta observar como a Corte encaminhará o caso a partir de agora e, se, ao fazê-lo, vai delinear os contornos de um conceito que pode ser eventualmente aplicado a uma enorme quantidade de processos, dada a abrangência de assuntos relacionados ao direito do esquecimento.
Cada caso concreto possui suas particularidades e, é em função delas, que devesse submeter cada caso a um processo de proporcionalidade, através do qual se chegará a uma solução congruente. Para que haja uma efetiva ponderação entre o conflito existente, necessário uma observação de determinados parâmetros, que o sejam: a veracidade dos acontecimentos, licitude do meio empregado na obtenção da informação, personalidade pública ou estritamente privada da pessoa objeto da notícia, local do fato, natureza do fato, existência de interesse público na divulgação. A colisão será solucionada levando-se em conta o peso ou a importância relativa de cada princípio, a fim de se escolher qual deles, no caso concreto, prevalecerá ou sofrerá menos constrição do que o outro.
Por fim, por obra das diversificadas possibilidades colocadas à disposição dos meios de comunicação e da população em geral, para a captação e disseminação da imagem, correligionária a amplitude concedida pelo texto Constitucional, o qual coibiu qualquer possibilidade de censura, a discussão acerca da linha tênue entre o Direito ao esquecimento e a liberdade de expressão, montam um palco para uma discussão fervorosa e complexa. O direito ao esquecimento cuida de controlar a liberdade de expressão, conferindo àqueles que querem que determinado fato ocorrido em sua vida seja esquecido pela sociedade. Este direito ao esquecimento está intimamente ligado aos direitos de personalidade, que também estão previstos e protegidos pela Constituição Federal.


Rachel Leticia Curcio Ximenes é sócia do CM Advogados, bacharel em Direito pela PUC/SP. Mestra e doutora em Direito Constitucional. Presidente da Comissão Especial de Direito Notarial e Registros Públicos da OAB/SP – Ordem dos Advogados do Brasil, Seção São Paulo.