Por Luciana de Freitas e Pedro Junqueira P. B. Sandrin, advogados do escritório Celso Cordeiro & Marco Aurélio de Carvalho Advogados

A prescrição é modalidade de extinção da punibilidade pela perda da pretensão de punir o autor do delito (prescrição da pretensão punitiva), ou de executar a punição (prescrição da pretensão executória), decorrente do decurso de prazo legal. O instituto vem positivado pelo artigo 107, inciso IV, do Código Penal, desmembrando-se por meio dos dispositivos subsequentes.

Trata-se de concepção elaborada frente à ideia de ineficiência da aplicação da pena como resposta ao fato criminoso após o decurso de longo período de tempo, reforçando a necessidade do Estado atuar de maneira célere e eficaz no que tange às responsabilidades relacionadas à persecução penal.

Fora poucas exceções, como o crime de racismo, a Constituição adotou como regra a prescritibilidade das infrações penais. Assim, todo autor – ou suposto autor – de ilícito penal possui direito subjetivo de ver reconhecida a prescrição após finalizado determinado prazo previamente estabelecido na legislação. Não consiste em mero benefício ao acusado, mas sim uma repreensão ao Estado que tarda no cumprimento das suas finalidades constitucionais, como o respeito ao princípio da duração razoável do processo (art. 5º, LXXVIII, CF).

Nesse contexto, a Lei nº 13.964 de 24 de dezembro de 2019, popularmente denominada "Pacote Anticrime", trouxe reformas significativas no âmbito da legislação penal, e, dentre elas, em matéria de prescrição. As inovações inicialmente propostas incluíam novas causas suspensivas e interruptivas da prescrição, o que implicaria em alteração dos artigos 116 e 117 do Código Penal. Lembrando que as primeiras determinam que o prazo permaneça inerte, paralisado, voltando a correr de onde parou com o fim da suspensão. Já as causas interruptivas introduzem uma ruptura no prazo prescritivo, de forma que ele partirá novamente do início ao cessar a interrupção.

Todavia, após o filtro realizado pelas Casas Legislativas, deliberou-se pela introdução de apenas duas novas causas suspensivas da prescrição, com alteração nos incisos II, III e IV do artigo 116, do Código Penal, abaixo transcrito:

Art. 116 – Antes de passar em julgado a sentença final, a prescrição não corre:
I – enquanto não resolvida, em outro processo, questão de que dependa o reconhecimento da existência do crime;
II – enquanto o agente cumpre pena no exterior;
III – na pendência de embargos de declaração ou de recursos aos Tribunais Superiores, quando inadmissíveis; e
IV – enquanto não cumprido ou não rescindido o acordo de não persecução penal.

Cumpre dizer que no inciso II não houve qualquer alteração semântica, mas tão somente um aprimoramento da linguagem utilizada. No que tange aos demais itens, entretanto, ocorreram modificações de extrema relevância, uma vez que trouxeram novas causas impeditivas de prescrição em detrimento do réu ou investigado.

Em continuidade, a redação disposta pelo inciso III, determina que a prescrição ficará suspensa na pendência de embargos de declaração ou de recursos aos Tribunais Superiores, quando inadmissíveis. Então, na hipótese de interposição dos Recursos Especial e Extraordinário, a prescrição ficará condicionada ao seus respectivos juízos de admissibilidade. Do contrário, não haverá qualquer interferência no cálculo da prescrição penal.

A alteração legislativa muito relembra um entendimento já adotado pelos Tribunais Superiores no sentido de que aqueles recursos reconhecidos como "incabíveis" ao STF e ao STJ não teriam a capacidade de afastar o status de coisa julgada, que retroagiria à data do término do prazo para interposição do último recurso cabível, interferindo diretamente na prescrição da pretensão punitiva intercorrente.

Contudo, a conjuntura acima disposta não configurava hipótese suspensiva da prescrição, já que, posteriormente, o mesmo lapso temporal poderia ser computado para fins de cálculo da prescrição executória, por exemplo. Após a Lei nº 13.964/2019, o que se observou foi a criação de uma nova causa impeditiva da prescrição, tanto punitiva, como na execução da pena, decorrente da inadmissibilidade dos Recursos Especial e Extraordinário.

Ocorre que, embora a nova legislação tenha reduzido as probabilidades de prescrição na pendência de recursos direcionados aos Tribunais Superiores, por outro lado não introduziu qualquer mecanismo para que se evitasse a morosidade processual.

Consequentemente, o reconhecimento da prescrição e respectiva extinção da punibilidade estarão condicionados à apreciação e acolhimento do recurso, obrigando-se o Superior Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Federal a apreciarem uma impugnação em processo potencialmente prescrito. Nesse sentido, há grandes chances de que, logo após o provimento do apelo, seja declarada prescrição já existente, inutilizando-se o julgamento de mérito anterior, ocasionando considerável ineficiência (perda de tempo).

Outrossim, diminuir as chances de prescrição como resultado da inércia do sistema de justiça significa estimular a lentidão institucional, em prejuízo de uma duração razoável do processo, bem como de uma atuação rápida e eficiente pelo Estado. Isso pois o instituto da prescrição penal não pode ser interpretado como incentivo à impunidade, mas sim como meio de oposição à demora processual, sobretudo do sistema de justiça criminal, não apenas em benefício da sociedade e da vítima, mas notadamente à serviço do acusado.

Trata-se não somente de cumprir uma prestação jurisdicional penal em um prazo minimamente admissível, dentro dos parâmetros legais de proporcionalidade e razoabilidade, mas também da preservação máxima a um dos princípios norteadores de um Estado Democrático de Direito, o princípio da dignidade da pessoa humana.
Enfim, vale salientar também a respeito do inciso IV, do mesmo dispositivo legal, que traz a suspensão da prescrição enquanto não cumprido ou desfeito o "acordo de não persecução penal", outra inovação implementada pelo "Pacote Anticrime", através do artigo 28-A no Código Penal.

Percebe-se, nesse ponto, que alteração demonstra uma maior conexão ao caráter negocial que tem sido incorporado ao Processo Penal brasileiro, ao lado dos institutos da transação penal e da suspensão condicional do processo. Portanto, durante o período de prova deste acordo a prescrição permanecerá suspensa, voltando a correr no momento em que houver eventual rescisão em razão do seu descumprimento.

Com efeito, ambas as alterações legislativas introduziram dispositivos de grande impacto ao direito penal brasileiro, importando salientar, ainda, que se tratam de novatio legis in pejus, isto é, de legislação mais severa que a anterior, podendo ser aplicados apenas àqueles delitos praticados após a entrada em vigor da Lei 13.964/2019, a se considerar a natureza material da norma que disciplina a prescrição.

Há que se ter em vista, no entanto, que o instituto da prescrição deverá servir primordialmente como garantia ao réu ou investigado diante de eventuais arbitrariedades do Estado, como processos intermináveis! Por conseguinte, a redução das hipóteses de sua aplicação como estratégia de política criminal sob a pretensão de minimizar a impunidade configura-se mera fantasia jurídica e um regresso em relação ao ideal de Estado e democracia eleitos pela Constituição Federal.