Há não muitos anos, convivíamos com a enorme dificuldade de se legalizar um documento no Brasil. O ato de legalização, nome comumente utilizado para o processo de comprovação de autenticidade de documentos que serão utilizados no estrangeiro, somente podia ser realizado perante o Ministérios das Relações Exteriores. Referido procedimento encarecia sua requisição, além de compor barreiras para que indivíduos vivendo em locais remotos de vasto país – às vezes, nem tão remotos, mas distante dos grandes centros – pudessem acessá-lo.

Em conjunto à legalização, também há a necessidade de obtenção da consularização, que se refere ao ato de autenticação dada não por autoridade do nosso país, mas do local em que se planejar utilizar o documento. Nesta outra etapa, novos custos, entraves territoriais e tempo despendido soma-se ao procedimento de ter um simples documento reconhecido como verdadeiro.

Tal dificuldade não é particular ao Brasil. Os demais países também sofrem com as exigências burocráticas, considerando o fato de que cada um deles deve se atentar não só aos procedimentos dispostos em seu próprio país, mas também no país de destino. Neste interim, negócios são adiados – ou nunca realizados –, direitos civis básicos, como o casamento ou divórcio, arduamente consagrados ou resolvidos, e de cidadania, como obtenção de nacionalidade, não adquiridos.

Embora não seja problema atinente apenas ao nosso país, foi tardiamente que tais entraves foram por nós resolvidos. Em 1961, o Brasil assinou a Convenção da Haia, que busca dirimir as barreiras burocráticas através do apostilamento – isto é, a aposição de apostila –, em que uma única autoridade atesta a autenticidade da assinatura, a função ou cargo exercido pelo signatário do documento e, também, a autenticidade do selo ou carimbo nele oposto, desde que respeitados os parâmetros definidos pelo tratado. Após, o documento teria validade em qualquer país signatário da Convenção.

Não obstante o Brasil fosse signatário, apenas em 2016 veio a editar ato que tornou seus termos vigentes em nosso território e que facilitava o intercâmbio de documentos entre mais de 110 países. Isso se deu também em razão da letargia do nosso Congresso Nacional em aprovar o tratado, fato que ocorreu somente em meados de 2015.

Após a edição do Decreto nº 8.660, de 29 de janeiro de 2016, que tornou vigente a Convenção da Haia, o Conselho Nacional de Justiça – CNJ trouxe uma novidade através da Resolução nº 228/2016: os titulares de cartórios extrajudiciais poderiam realizar o apostilamento como autoridade competente. Referida disposição facilitou, e muito, o acesso ao apostilamento pelo cidadão, tendo em vista a capilaridade dos serviços notariais e de registro no território nacional. Além dos cartórios, nesse mesmo ato do CNJ, as Corregedorias Gerais de Justiça e os Juízes Diretores também foram colocados como aptos a realizar o apostilamento quanto a documentos de interesse do Poder Judiciário.

Recentemente, em novembro de 2019, o CNJ editou nova resolução, a de nº 302, adicionando também a Procuradoria-Geral da República como autoridade competente para fazer apostilamento, mas apenas quanto a documentos públicos emitidos pelo Ministério Público. Ou seja, os moldes aqui são semelhantes à autorização posta aos juízes de direito para realizar o procedimento, por limitar o ato apenas aos documentos de sua alçada. O CNJ sustenta a atenção à desburocratização como um dos pilares da decisão, como também a importância das atribuições do Ministério Público na vida dos cidadãos.

Esta nova autoridade competente pode trazer ainda mais celeridade e efetivação de direitos à população. Contudo, embora a desburocratização seja necessária para o deslinde de diversas situações, sempre é necessário pesar também pela segurança jurídica. Nesse sentido, espera-se que quaisquer novas indicações sempre estejam balanceadas nestes dois pilares: acesso a direitos e segurança jurídica.

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* Maria Luiza Xavier Lisboa, advogada, Bacharel em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, Campus São Paulo, Estado de São Paulo; Membro da Comissão de Direito Notarial e Registral da OAB/SP.