CNJ permite a realização de atos notariais por videoconferência
O período de calamidade pública que enfrentamos impôs diversas barreiras para o exercício de certas atividades cotidianas, sendo que, em resposta às necessidades apresentadas pelos indivíduos, diversos atos normativos buscaram a criação de adaptações para que direitos básicos não fossem prejudicados pelo isolamento decorrente da quarentena em combate ao Coronavírus (COVID-19).
Instituições públicas e privadas precisaram adaptar o funcionamento de suas atividades às restrições impostas pela pandemia e, algo que não poderia ser pensado em outros momentos da nossa história, aqui foi oportunizado: a rápida garantia da execução de atos personalíssimos da vida civil, mesmo sem a presença física do seu executor ou procurador. Destaque para o acordo de vontades, que pressupõe a atuação em conjunto entre indivíduos. Se no passado modais mais rústicos, como cartas e afins, seriam utilizados, hoje, simultaneamente, podemos pensar na assinatura de atos importantes e significativos na vida do indivíduo, mesmo à distância, como o divórcio.
Na realidade, as possibilidades advindas após a explosão do uso de computadores e da internet, que gerou uma nova forma de armazenamento e troca de dados, já estão sendo exploradas cada vez mais pela administração pública e pelos cartórios brasileiros. A expedição de certidão de forma eletrônica e o uso de assinatura digital, por exemplo, hoje já são instrumentos comumente utilizados. O atual período de isolamento social, entretanto, forçou a expansão do uso da internet como meio eficaz para a celebração de atos da vida civil. Talvez novidades que seriam implementadas mais amplamente daqui alguns anos, foram obrigadas a serem cogitadas e implementadas para agora.
O Conselho Nacional de Justiça (CNJ), sem guardar ousadia, publicou recentemente o Provimento nº 100, de 26 de maio de 2020, que tem como premissa estabelecer normas gerais sobre a prática de atos notariais eletrônicos em todos os tabelionatos de notas do País. Diga-se de passagem que referido procedimento surgiu após provocação do Colégio Notarial do Brasil – Conselho Federal (CNB-CF), através do Pedido de Providências nº 0001333-84.2018.2.00.00, que sugeriu o texto ao CNJ.
Vale ressaltar que o CNJ, ao acatar a norma sugerida, considerou ato notarial eletrônico como o "conjunto de metadados, gravações de declarações de anuência das partes por videoconferência notarial e documento eletrônico, correspondentes a um ato notarial" (art. 2º, VI). Assim, podemos visualizar que se objetiva guardar a premissa do acordo de vontades, essencial a qualquer ato civil e jurídico, que pode ser verificado por meio de videoconferência por profissional devidamente habilitado, quem seja, o tabelião de notas. Ao fim, as partes devem assinar eletronicamente o documento, bem como o tabelião envolvido com o ato notarial.
O CNB-CF possui a incumbência de gerir o Sistema de Atos Notariais Eletrônicos, e-Notariado, portal por onde serão realizados os mais diversos atos, como divórcio, escrituras de compra e venda, partilha e inventários de bens imóveis e doações.
Vale ressaltar que também práticas simples como reconhecimento de firma e autenticação de documento poderão ser feitas por meio do e-Notariado.
A fim de conferir o resguardo da operação, será gerada a Matrícula Notarial Eletrônica- MNE, que servirá como chave de identificação individualizada, facilitando a unicidade e rastreabilidade da operação eletrônica praticada.
O Provimento nº 100/2020 do CNJ traz ainda diversas regras com o objetivo de propiciar o máximo de segurança possível ao serviço ofertado, deixando alguns detalhes a cargo do CNB-CF, que adicionará obrigatoriedades adicionais que se fizerem necessárias.
Assim, com o tempo, cada vez mais os meios eletrônicos ganharão a confiança da população e passarão a ser uma opção em momentos onde o comparecimento presencial for obstado.
Como qualquer sistema, instrumentos que se utilizam das redes de internet estão em constante construção. Importante mantê-la como garantidora de direitos, mas atentando-se aos cuidados que a própria rede demanda.
Maria Luiza Xavier Lisboa, advogada, Bacharel em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, Campus São Paulo, Estado de São Paulo; Membro da Comissão de Direito Notarial e Registral da OAB/SP.