Decorrente do julgamento do Recurso Especial n. 1.829.093-PR, de relatoria da Excelentíssima Ministra Nancy Andrighi, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, na data de 01/06/2021 firmou importante tese no sentido de que "a divergência entre a paternidade biológica e a declarada no registro de nascimento não é apta, por si só, para anular o ato registral, dada a proteção conferida a paternidade socioafetiva".
No processo em que decorreu o julgado em comento, um determinado agente reconheceu, pelo menos inicialmente, a paternidade e realizou o registro da criança, mas posteriormente ajuizou ação investigatória de paternidade c/c com denegatória de paternidade alegando, em síntese, a divergência posterior quanto a paternidade.
Quando da apreciação do recurso, o STJ analisou se existiu, à época do registro, a presença de algum dos vícios de consentimento capazes de induzir ou erro ou falsidade. O Acórdão proferido trouxe uma profunda reflexão sobre o artigo 1604 do Código Civil, que dispõe que “ninguém pode vindicar estado contrário ao que resulta do registro de nascimento, salvo provando-se erro ou falsidade do registro”, ou seja, por força do comando contido no aludido dispositivo legal, não é possível negar a paternidade registral, exceto na existência de provas de erro ou de falsidade.
A partir da inteligência do artigo 1604 do Código Civil a Terceira Turma do destacou que somente deverá se proceder com a anulação de registro caso se demonstre dois requisitos, quais sejam: (i) prova robusta no sentido de que o pai foi de fato induzido a erro, ou ainda, que tenha sido coagido a tanto e (ii) inexistência de relação socioafetiva entre pai e filho.
Percebe-se que os Ministros se pautaram na premissa de que o erro apto a caracterizar o vício de consentimento exige a prova do engano não intencional na manifestação da vontade de registrar, não se admitindo para tal fim que o erro decorra de simples negligência de quem registrou.
Lado outro, os Ministros também apresentaram o posicionamento de que a instabilidade das relações conjugais em nossa sociedade atual não podem impactar nas relações de natureza paternal que se constroem ao longo do tempo e independem do vínculo de índole biológica, não sendo aceitável que um exame de laboratório, por si só, apague a relação de filiação socioafetiva construída e conquistada com afeto.
Do exposto, perceptível que a Corte Superior reconheceu a importância da paternidade socioafetiva enquanto um fenômeno social que, a despeito da falta de previsão legal, foi acolhido pela doutrina e jurisprudência, a fim de resguardar os vínculos afetivos nutridos a partir do amor, atenção e responsabilidade da paternidade.


Tiago de Lima Almeida é sócio do CM Advogados, vice-presidente da Comissão Especial de Direito Notarial e Registros Públicos da OAB-SP, mestre em Direito Constitucional pela PUC-SP e pós-graduado em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (IBET).