A gestão dos programas de compliance em meio à pandemia do coronavírus
Quando a Organização Mundial da Saúde elevou o coronavírus ao status de pandemia, o mundo se pôs em alerta. Rapidamente, nação atrás de nação foi "sucumbindo" aos sintomas do COVID-19, adotando medidas radicais para tentar conter o avanço no quadro de infectados e mortos, sem saber ao certo por quanto tempo será necessário manter as pessoas trancadas, até que se obtenha mais informações e que alguma solução surja no fim do túnel, algo ainda incerto no momento em que esse texto era fechado.
Em meio à calamidade, a recomendação dos órgãos de saúde é de que serviços não essenciais fossem paralisados e que as pessoas buscassem não sair de casa. Imediatamente, as empresas se viram obrigadas a responder rapidamente à necessidade de encontrar alternativas para buscar manter a operação rodando em meio a uma situação completamente inesperada.
Embora o home office seja uma tendência, ele ainda não é tão disseminado no ambiente corporativo brasileiro. E, mesmo nas empresas que já adotavam o modelo, elas estavam preparadas para suportar uma parcela da empresa trabalhando em casa a cada semana.
Quando a empresa toda, ou a maior parte das equipes que atuam no escritório, tem de trabalhar de casa ao mesmo tempo, a situação ganha contornos para os quais a estrutura de tecnologia – do acesso aos sistemas centrais até a própria disponibilidade de notebooks – não estavam prontas. Para os departamentos de compliance, além do desafio de também se adaptar a esse novo ambiente de trabalho e colaboração remota, é preciso entender o impacto que essa nova situação crítica e sem um horizonte claro de tempo para ser resolvida terá em relação ao dia a dia da área de Compliance, como investigações em andamento e due dilligences em terceiros. As análises de riscos e planos de resposta e de continuidade de negócios estão sendo postos a prova por empresas de diferentes setores da economia. Em muitas dessas empresas, esse trabalho está sob o guarda-chuva, ou tem ao menos a participação ativa do Compliance. Questões de ordem trabalhista decorrentes dessa mudança na forma de trabalho é outro ponto que demanda grande atenção dos Compliance Officers, inclusive em relação à forma como as empresas e seus gestores vão se comportar sem algumas barreiras e limites físicos de separação entre trabalho e vida particular das pessoas, algo que deve ficar menos delimitado nessas semanas. Claro. Além de tudo isso, será preciso lidar com a questão da segurança e da privacidade de dados, que estarão sim mais expostos e suscetíveis a roubos e vazamentos em meio a essa rápida adaptação das em- presas à situação.
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O Desafio do Compliance remoto
Sempre se disse que o bom profissional de Compliance não fica esquentando a cadeira. Ele deve sair da sua sala para conhecer e entender as dores do negócio e das pessoas que o fazem, entender o mercado, identificar novos riscos e, a partir daí, apresentar as soluções, para que os negócios sejam feitos de maneira segura. Pois é. Ao menos pelas próximas semanas, isso não será possível. Não bastasse isso, será preciso gerir o programa de compliance sem acesso a muitos dos recursos necessários para o bom andamento dos projetos.
Para que a coisa ande minimamente bem, o primeiro ponto que precisa ser estabelecido é quem compõe o time de decisão da empresa e estabelecer bons mecanismos de comunicação entre eles e para quem precisa acessá-los. "O compliance precisa ter essa visão 360º e o que eu recomendo é estabelecer com o seu supervisor hierárquico – seja o presidente da empresa, o membro da governança ou o próprio regulador – uma equipe tomadora de decisão. Mesmo à distância, é preciso saber quem tem o poder decisório para sabermos quem procurar numa questão que exige a tomada de decisão", explica Gustavo Lucena, sócio da área de Riscos da Deloitte.
Agora, é preciso ter como foco a necessidade de avaliação de riscos e nos mecanismos de resposta emergenciais, quais são os planos de ação e a divisão de tarefas. O Compliance Officer não pode fazer tudo, mas pelo menos, deve ter uma visão completa sobre quem é quem para os principais temas e manter abertas as linhas de comunicação o tempo todo. Na consultoria, essa estrutura foi definida, para que a empresa continuasse a assessorar seus clientes e dar a eles, mesmo com o time estando em casa, a mesma segurança que teriam em seu ambiente de trabalho. "Num momento como este, o que o cliente espera de nós é que estejamos juntos para enfrentarmos as dificuldades. Afinal, não é porque estamos distantes fisicamente que os negócios irão parar", reforça.
Aliás, manter o time engajado e a cultura de Compliance viva é um desafio adicional nessa nova condição. Sustentar um clima positivo dentre os membros da equipe é importante para dar segurança e tranquilidade num momento de incerteza e ajuda a fugir das fake news corporativas. "Quando os funcionários não se encontram, eles falam muito tempo por meio de aplicativos como o WhatsApp, que não são ferramentas muito seguras", explica o sócio da Deloitte. Para ele, é preciso estabelecer um sistema de mensagens padronizado para afastar o medo. "Com as pessoas tendo mais disponibilidade para ficar em casa e prazo para fazer suas tarefas, talvez seja a hora de o Compliance antecipar aquele treinamento, as comunicações, a capacitação, para que os times se sintam mentalmente ocupados e fisicamente ativos", acredita Gustavo Lucena.
O impacto sobre o trabalho
Uma pandemia como a do coronavírus é algo completamente anormal e imprevisível. Seu impacto, entretanto, é rápido e imediato em quase todos os aspectos das nossas vidas. A necessidade de adaptação a novas rotinas, o remanejamento de local de trabalho, a necessidade de paralisação das atividades e as consequências que isso gera para a capacidade das empresas de pagar suas obrigações e manter os empregos de seus funcionários é um bom exemplo da capacidade do COVID-19 de nos obrigar a mudar, de uma hora para outra, tudo o que estava estabelecido até ontem.
As consequências potenciais da epidemia já no curto prazo, traz à tona o necessário debate sobre como ficam as questões trabalhistas em situações como a atual. Para Alexandre Guirão, sócio do escritório Guirão Advogados e especialista em Direito do Trabalho, empresários e trabalhadores que ainda vinham se adaptando à flexibilização das relações de emprego, previstas na Reforma Trabalhista, de repente tiveram que recorrer a ela para evitar demissões. "O que temos pedido aos nossos clientes é senso humanitário. Não é preciso sair demitindo. Existem outras saídas. O momento é de criar novas rotinas para o dia a dia do trabalho para garantir a saúde do trabalhador e manter o funcionamento mínimo da empresa", diz Guirão, que diz estar avaliando no escritório as situações caso a caso, empresa por empresa, setor por setor. "No início, tentamos criar uma solução padronizada para todos os clientes, mas percebemos que não é possível, pois, dentro de cada empresa temos várias realidades", conta o advogado. Como quase todas as empresas não vão precisar operar com a plenitude do seu quadro neste momento, é possível negociar antecipação de feriados e estabelecer um programa de banco de horas. "Os trabalhadores que forem essenciais podem ter horas de crédito e os que permanecerem em casa podem ficar devendo horas ao empregador. É possível negociar saídas como redução proporcional de horário com redução de salário. O importante é que o empregador mantenha o empregado, até porque esse momento não vai durar para sempre e assim o empregador evita ter que recontratar, capacitar e dar treinamento na volta à normalidade. Mas, é preciso um posicionamento solidário, tanto do empregador quanto do empregado", afirma Guirão.
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O show tem que continuar
A crise provocada pelo coronavírus também colocou em evidência a importância de se ter um Plano de Continuidade de Negócios, algo muitas vezes negligenciado pelas empresas brasileiras, que não tem uma cultura de gestão de riscos enraizada e costumam acreditar muito no "isso jamais acontecerá comigo". Em um momento de crise como a que estamos vivendo, que representa a materialização daquele risco pouco provável e de grande impacto, que um bom risk assessment, seguido por um bom plano de resposta e outro de continuidade de negócios mostra o seu valor vital para uma empresa. "Na construção de um Plano de Continuidade de Negócios você deve avaliar o que é essencial, para que a empresa continue atuando num momento de crise.
É preciso colocar na mesa quais são as possibilidades de crises que podem vir a ocorrer, pois você deve ter planos de contingência adaptáveis aos mais variados cenários. Estou falando de pandemias, terremoto, desastres naturais, interrupção ou roubo de dados, sabotagem, desordem social. É preciso estabelecer tais cenários, reunir um comitê de crise e estabelecer toda a ordem de ações que devem ser tomadas dentro do que se espera que possa acontecer na eventualidade de realização de tais imprevistos", explica Felipe Faria, para quem empresas de tecnologias costumam ser mais preparadas nesse sentido, pois estão mais sujeitas a reviravoltas como o surgimento de uma nova ferramenta, o roubo de dados e etc. Mas, a maioria das empresas de pequeno e médio porte não costuma ter preparado um Plano de Continuidade. Agora, com a chegada do coronavírus, se viram obrigadas a criar às pressas um plano dessa natureza. "É preciso estar preparado. Dimensionar riscos e estar pronto a dar respostas rápidas a tais movimentos", corrobora Carolina Gazoni, CEO da consultoria especializada 360 Compliance.
Dados menos protegidos
Outro aspecto que pode ser preocupante com muitos trabalhadores operando num sistema de home office é a questão da proteção de dados. As empresas precisarão ter muito cuidado com que tipos de dados poderão circular (e de que forma eles poderão circular) entre seus colaboradores, para garantir a proteção dos dados internos e de seus clientes. "É preciso estabelecer regras e se certificar de que elas sejam estritamente seguidas. Regras de como vão circular estes dados e de que forma eles poderão ser utilizados. Tudo deve estar documentado e os colaboradores devem ter ciência disso e de suas obrigações para com a segurança desse material. Num projeto de Compliance, no caso do home office, é preciso que estas regras e obrigações aso colaboradores e os dados da empresa estejam muito claras. É preciso escrever tudo, documentar tudo e ter tudo no papel", conclui Carolina Gazoni.
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Observação CM Advogados: Diante da repentina mudança na forma de realização das operações empresariais, cenários até então inimagináveis pelo compliance das empresas se fizeram completamente presentes. Empresas funcionando quase que exclusivamente em home office, reuniões à distância e circulação externa de dados são alguns dos procedimentos que mais marcam a atual condição do trabalho no Brasil e no mundo. Com isso, novos riscos surgiram. Diante desses novos riscos caberá ao compliance empresarial mapeá-los e tratá-los para que ao final desta crise a empresa não sofra com eventuais consequências oriundas do mal uso dessas novas condições.
Publicado no Lec News.