No último mês, conforme noticiado pelo próprio Superior Tribunal de Justiça [1], a Corte firmou tese significativa quanto à partilha de bens no âmbito das ações de divórcio: entendeu ser possível a partilha de imóvel em situação irregular. Segundo o entendimento da Terceira Turma da Corte Superior, dentre os bens adquiridos na constância do casamento pelos cônjuges a serem divididos pelo casal em eventual ação de divórcio, deverão constar também aqueles que não se encontram regularizados ou registrados no nome do casal. Isso porque, considerou-se na lista de bens a serem partilhados, tudo aquilo que tem expressão econômica, mesmo que, por razões das mais diversas, esteja pendente de regularização.
A questão, que na realidade gira em torno de partilha de direitos possessórios, veio à tona pelo Superior Tribunal de Justiça ao apreciar questão trazida nos autos de um divórcio litigioso, no qual o Tribunal de Justiça de São Paulo havia entendido pela impossibilidade de partilha desses direitos sobre imóvel localizado em área irregular. Os autos foram, então, levados, por meio de Recurso Especial, ao Superior Tribunal de Justiça, de relatoria da Ministra Nancy Andrighi.
Segundo a Ministra, a partilha de patrimônio está ligada a ideia de divisão final das propriedades constituídas anteriormente. Destacou que a irregularidade de um imóvel sobre o qual se pretende a partilha pode não ser consequência de má-fé ou desinteresse das partes, mas pode advir de inúmeras outras razões: a incapacidade do poder público para promover a formalização da propriedade, ou a hipossuficiência das pessoas para providenciar os trâmites necessários para a regularização, por exemplo. Ou seja, para a relatora, não há nesses casos, pela ausência de má-fé, qualquer óbice à tutela jurisdicional desses direitos possessórios.
Isso se deve, especialmente, porque é válido reconhecer a autonomia entre direito de propriedade e direito de posse, de modo que o direito possessório também possui expressão econômica a qual poderá, então, ser objeto da partilha entre cônjuges no caso de dissolução do casamento. Em razão dessa autonomia existente entre direito de propriedade e direito de posse torna-se perfeitamente possível a partilha sem que haja qualquer interferência nas questões relacionadas diretamente à propriedade formal do bem.
No caso apreciado, o imóvel cujos direitos possessórios foram alvo da partilha foi um bem edificado sobre loteamento irregular e não se verificou má-fé dos possuidores. O entendimento afastou, assim, qualquer eventual confusão entre o objeto da demanda – a dissolução do vínculo conjugal – e a regularização da propriedade sobre o imóvel. A ação versava unicamente sobre partilha de bens em razão do fim do casamento e a regularização da propriedade não estava em jogo, mas apenas os direitos possessórios sobre o imóvel.
[1] http://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/28092020-Terceira-Turma-admite-possibilidade-de-partilha-de-imovel-irregular-em-acao-de-divorcio.aspx#:~:text=A%20tese%20foi%20estabelecida%20pela,im%C3%B3vel%20localizado%20em%20%C3%A1rea%20irregular


Fernanda Lopes Martins é advogada do CM Advogados e mestranda na Faculdade de Direito de Ribeirão Preto – USP.